INTRODUÇÃO À CULTURA




2. CULTURA
Nesta Unidade o estudante vai aprender a respeito da história do conceito de cultura, assim como sobre algumas de suas principais definições. Será capaz de ver como o conceito antropológico de cultura pode ser usado em diversas áreas do saber e fazer humanos. Ao final da Unidade, o estudante terá entrado em contacto com uma das principais ferramentas de análise das ciências humanas ao mesmo tempo que poderá aprofundar seus conhecimentos realizando outras actividades e leituras.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A cultura para os antropólogos em geral, constitui-se no conceito básico e central da sua ciência.
A palavra cultura tem sua origem na palavra latina culture e significava, em fins do Século XIII, uma parcela de terra que era cultivada pelo homem (KUPER, 2002; CUCHE, 1999). Cultura exprime, nesse sentido, uma acção, no caso, a acção humana de cultivar a terra.
Na metade do Século XVII, cultura passa a significar a capacidade de cultivar uma faculdade do espírito humano. Cultiva-se agora algo abstracto, uma sensibilidade. Então, observa-se a mudança do sentido de cultura como um estado de algo ou alguma coisa para uma acção do espírito humano. Mais uma vez, aparece a ideia de cultura como estado, como o espírito cultivado mediante a acção humana de educar, de edificar, de construir, de melhorar.
Os antropólogos não empregam os termos culto ou inculto, de uso popular, nem fazem juízo de valor sobre esta ou aquela cultura, pois não consideram uma superior a outra.
Para o antropólogo, a cultura tem significado amplo: engloba os modos comuns e apreendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos, em sociedade.
2.2 CONCEITUAÇÃO
Até então, existem mais de 160 conceitos mas de entre todos ainda não existe consenso sobre o significado exacto do termo. Para alguns, a cultura é comportamento aprendido; para outros é abstracção do comportamento; e para outros ainda a cultura consiste em ideias.
Outros consideram cultura como sendo os objectos imateriais enquanto outros são objectos materiais e outros ainda defendem que são tanto as coisas materiais e não materiais
Culture (inglês) em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Edward Tylor (1879): é todo complexo de conhecimentos, crenças, arte leis moral, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelos indivíduos;
Malinowski (1944):  são sistemas funcionais para dar conta das necessidades básicas dos seres humanos.
Levi-Strauss :  é um sistema simbólico de uma criação que se acumula na mente humana
Para Ralph Linton (1936) a cultura de qualquer sociedade consiste na soma total das ideias, reacções emocionais condicionadas a padrões de comportamento habitual que seus membros adquiriram por meio de instrução ou imitação e de que todos, em maior ou menor grau participam
Franz Boas (1938) define a cultura como a totalidade das reacções e actividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social.
De acordo Leslie White (1959) existe uma diferença entre comportamento e cultura. Para ele, Comportamento é quando as coisas e acontecimentos dependentes de simbolização são considerados e interpretados face a sua relação com organismos humanos, isto é, relativo ao organismo humano.
Cultura é quando as coisas e acontecimentos dependentes de simbolização são considerados num contexto face a relação que tem entre si, isto é, independente do organismo humano.
A cultura pode ser analisada, ao mesmo tempo sob vários enfoques: ideias (conhecimentos e filosofia); Crenças (religião e superstição); Valores (ideologia e moral); Atitudes (preconceitos e respeito ao próximo); Normas (costumes e leis); Padrões de conduta (monogamia e tabu); Abstracção de comportamento (símbolos e compromissos); Instituições (família e sistemas económicos); Técnicas (artes e habilidades); e Artefactos (machado de pedra e telefone).
Em suma, Cultura é uma das palavras ou conceitos chave em antropologia aplicada à saúde. Ela é usada para referir a forma pela qual as pessoas de uma mesma sociedade ou comunidade descrevem, organizam, legitimam e justificam práticas que orientam a vida do grupo, por meio de normas, conhecimentos e crenças. Em cada cultura as pessoas estabelecem relações entre si, e têm uma linguagem a partir da qual se comunicam. Para além da língua, essa “linguagem” inclui um conjunto de valores e códigos que são aprendidos, compartilhados e transmitidos de geração para geração.
A linguagem é a forma como as pessoas se relacionam sofrem transformações ao longo do tempo. Essas transformações podem ser pequenas ou grandes, e podem ser provocadas por invenções ou descobertas dentro da própria cultura ou pelo contacto com outras culturas, que pode ser feito através da convivência com pessoas de outras culturas, ou através de outros meios, como por exemplo a rádio, a televisão ou os jornais.
Todos os povos têm sua própria cultura e ninguém escolhe a cultura onde quer nascer e crescer. As coisas que fazem parte da nossa cultura são verdadeiras aos nossos olhos, elas são as nossas crenças e qualquer esforço para mudá-las deve tomar isso em consideração, em todos os aspectos da vida, incluindo a saúde.
Exercício similar deve ser feito junto dos utentes e comunidades sempre que se pretendem introduzir mudanças. Entretanto, dependendo da cultura e das crenças envolvidas, as verdades podem mudar ou ser mudadas com maior ou menor dificuldade.
2.3 ESSÊNCIA DA CULTURA
Para os antropólogos, de forma geral, a cultura consiste em ideias, abstracções e comportamento.
2.3.1 Ideias
São concepções mentais de coisas concretas e abstractas, ou seja, toda a variedade de conhecimento e crenças teológicas, filosóficas, científicas, tecnológicas, históricas, etc. Exemplos: Língua, arte, mitologia, etc. Pode-se considerar que a cultura consiste em ideias, sendo um fenómeno mental que exclui os objectos materiais e objectos observáveis. Esta acepção considera-se ingénua, pré-científica e ultrapassada pois a cultura, também é constituída de ideias (em parte) atitudes, actos evidentes e objectos.
2.3.2        Abstracções
Consiste naquilo que se encontra apenas no domínio das ideias, da mente e excluindo as coisas materiais. Não se deve considerar a cultura como sendo abstracção ou que consiste em abstracções (acontecimentos não observáveis, apalpáveis ou tocáveis) porque tal abstracção significa algo imperceptível, intangível, ontologicamente irreal, o que estaria fora do campo científico.
2.3.3        Comportamento
São modos de agir comuns a grupos humanos ou conjunto de atitudes e reacções dos indivíduos diante de um meio social. Não se deve considerar os instintos ou reflexos inatos que são predeterminados biologicamente porque a cultura resulta da invenção social; é apreendida e transmitida por meio de aprendizagem e da comunicação.
Os actos (acontecimentos) e os objectos não são comportamento humano mas sim a concretização do tal comportamento. A cultura consiste em uma série de coisas reais que podem ser observáveis, examinadas num contexto extra-somático, através de três tipos de símbolos: Ideias; Actos evidentes; e Objectos materiais.
2.4 CLASSIFICAÇÃO DA CULTURA      
A cultura pode ser classificada de diversas maneiras: material ou não material e real ou ideacional.
2.4.1 Cultura material (Ergologia)
Consiste em coisas materiais, bens tangíveis, incluindo instrumentos, artefactos e outros objectos materiais, fruto da criação humana e resultante de determinada tecnologia e abrange: produtos concretos, técnicas, construções, normas e costumes que regularizam seu emprego. Exemplos: Machados de pedra, vasos de cerâmica, mascaras, vestuário, cruz, etc.
2.4.2 Cultura imaterial (Aspectos animalógicos)
Refere-se a elementos intangíveis da cultura que não tem substância material. Entre eles encontram-se crenças, aptidões, hábitos, significados, normas ou valores. Os membros de uma sociedade compartilham certos conhecimentos e crenças como reais e verdadeiros. Exemplo: Crença na existência de seres sobre naturais como deuses, fantasmas, espíritos.
Hoebel, a cultura imaterial, consiste no comportamento em si manifesto (activ. motora) quanto não manifesta (que se encontra no intimo das pessoas), como o caso do casamento que contempla os dois aspectos.
2.4.3 Cultura real
Aquela em que todos os membros de uma sociedade praticam ou pensam em suas actividades do dia-a-dia. Ela não pode ser percebida em sua totalidade mas sim parcialmente e para tal é necessário que especialistas a ordenem e demostrem em termos compreensíveis. A ciência nem sempre pode evidenciar a cultura real mesmo com os mais avançados métodos de pesquisa pois o real apresenta-se como as pessoas o conhecem ou pensam que seja.
2.4.4 Cultura ideal (normativa)
Consiste em um conjunto de comportamentos que, embora expressos verbalmente como bons ou perfeitos para o grupo, nem sempre são frequentemente praticados. Exemplo: Casamento indissolúvel seria o desejável para sociedade ocidental crista; Casamento real, o que ocorre e nem sempre é satisfatório ou atende o ideal.
2.5 Componentes da cultura
De um modo geral, cultura se constitui dos seguintes elementos: Conhecimentos, Crenças, Valores, Normas e Símbolos.
2.5.1 Conhecimentos
Todas culturas possuem grande quantidade de conhecimentos eu são cuidadosamente transmitidos de geração para geração de forma prática. Sobre o ambiente por exemplo, os indivíduos aprendem o que lhes permite a sobrevivência, ou seja meio de transporte, protecção contra intempéries, contra animais ferozes, etc. tais conhecimento englobam aspectos referentes a organização social, estrutura de parentesco, usos e costumes, as crenças, as técnicas de trabalho, etc.
2.5.2 Crenças
Aceitação como verdadeira a uma proposição comprovada ou não cientificamente. Consiste de uma atitude mental do individuo e que serve de base acção voluntária. Embora intelectual, possui conotação emocional. Há crenças falsas e verdadeiras, dependendo da evidência certa, efectiva ou de aparências enganosas. De acordo Goodenough apud MARCONI e PRESOTTO (2010:28) existem três tipos de crenças nomeadamente:

  • Pessoais – as proposições aceites por um individuo como certas independentemente das crenças dos demais. Exemplo: Acreditar em Momomo
  • Declaradas – As proposições que uma pessoa aparenta acreditar como verdadeiras (em comportamento público) e que as menciona apenas pra defender ou justificar suas acções perante outros. Exemplos: Igualdade de género, ausência de pré-conceitos ou favorável a democracia; e
ü  Publicas – As proposições que os membros d um grupo concordam, aceitam e declaram como suas crenças comuns.  Exemplos: Mistério da encarnação para os cristãos, a reencarnação para os hindus, a hierarquias nas Forcas Armadas.
Outros autores consideram para além destas, existes crenças científicas, quando podem ser comprovadas; supersticiosas, quando não se pratica determinada acção com medo que aconteça algo ruim (não dar sal de noite); extravagantes, quando fogem ao comum (Mulher grávida sentar-se no pilão para dar a luz facilmente. Há crenças benéficas, quando resultam em algum beneficio, ou maléficas, quando causam mal a alguém.
2.5.3 Valores
O termo valor, em sentido amplo pode ter vários significados mas em sentido restrito, significa a qualidade da preferência atribuída a um objecto, em virtude de uma relação entre meios e fins na acção social.
O termo, emprega-se para indicar objectos ou situações consideradas boas, desejáveis, apropriadas, importantes, ou seja, para indica riqueza, prestígio, poder, crenças, instituições, objectos materiais. O valor igualmente incentiva e orienta o comportamento humano. Existem dois elementos no valor nomeadamente: Emocional (gostar) e Ideacional (desejar).
Em geral, a sociedade possui valores dominantes e secundários, havendo escala de graduação entre dois polos como por exemplo:

  • Valores dominantes – Liberdade de expressão, de religião, de direito a vida; e
  • Valores secundários – servir lanche as visitas, presentear a parturiente, agradecer cartões de Boas festas.
Existem seis tipos de qualidades de valor: (i) Tecnológicos, qualidade de alimento; (ii) Económico, condições de comercialização, (iii) Moral, alimentos para todos (ricos e pobres); (iv) Ritual, Proibição de comer carne de Porco (Muçulmanos) Vaca (Indianos); (v) Estético, apresentação de prato alimentício; e (vi) Associativo, jantar comemorativo.
Williams apud MARCONI e PRESOTTO (2010) apontam quatro critérios de valores dominantes: (i) Amplitude, valor revelado por meio de proporção e actividade de uma população (Direitos Humanos); (ii) Duração, tempo de permanência do valor (Liberdade religiosa); (iii) Intensidade, grau elevado de procura e manutenção do valor (Conquista da independência política); (iv) Prestigio, importância dada ao valor pelos seus portadores (Direito a propriedade)
2.5.4 Normas
São regras que indicam os modos de agi dos indivíduos em determinadas situações e que consistem em um conjunto de ideias, convenções referentes ao que é próprio do pensar e agir em dada situações. As culturas são constituídas por normas comportamentais, ou seja, de um tipo de conduta que ocorre com maior ou menor frequência.
Para Beals e Hoijer apud MARCONI e PRESOTTO (2010), há dois tipos de normas compreendidas em uma cultura nomeadamente: Ideais e Comportamentos.
a)      Normas ideais – aquelas que os membros de uma sociedade deveriam praticar ou dizer, em dada situação, acatando as regras estabelecidas pela cultura. Representam os deveres e desejos de uma cultura particular. Exemplo: Cremar ou enterrar os mortos.
b) Normas comportamentais- são os comportamentos reais dos indivíduos em determinadas situações, que fogem as normas ideais. Exemplo: a pulseira no tornozelo.
Toda a sociedade engloba um conjunto de conhecimentos, crenças, valores e normas de comportamento que, embora seja uma herança acumulada do passado, continuamente, a cada geração, vai se aperfeiçoando.
2.5.5 Símbolos
São realidades físicas ou sensoriais as quais os individuo que os utilizam lhes atribuem valores ou significados específicos. Estes representam ou implicam coisas concretas ou abstractas.
Pessoas, gestos, palavras, ordens, sinais sensoriais, fórmulas mágicas, valores, crenças, poder solidariedade, sentimentos, cerimónias, hinos, bandeiras, textos sagrados, objectos materiais, que tenham adquirido significado especifico, representando em um contexto cultural, por meio de actos, atitudes e sentimentos, constituem-se símbolos.
Os significados dos símbolos podem ser:

  • Arbitrários – a medida que não tem relação obrigatória com as propriedades físicas dos fenómenos que os recebem. For a do campo linguístico, a ligação entre símbolos e objecto caracteriza-se pela total ausência de afinidade intrínseca. Exemplo: Não há relação necessária entre cruz (propriedade física) e os valores simbólicos que os cristãos lhe atribuem.
  • Partilhados – quando o símbolo tem o mesmo significado para diferentes culturas (geral) ou para determinadas sociedade (particular). Exemplo: A palma como aplauso: Aquela que os curandeiros batem frente ao templo para chamar atenção aos espíritos é conhecida apenas entre os adeptos da religião.
  • Referenciais – quando os símbolos referem-se a algo específico. Exemplos: A cor branca, símbolo de luto entre os muçulmanos. Hino Nacional de Moçambique.
A simbolização permite ao Homem transmitir seus conhecimentos aprendidos e acumulados durante as diferentes gerações considerados básicos para a perpetuação da cultura e da sociedade e a sua criação consiste na associação de significados a aquilo que se pode perceber pelos sentidos (ver, ouvir, tocar e cheirar).
O símbolo social, tendo significado partilhado, pode comunicar tal significado; mas se o individuo desconhece os valores simbólicos utilizados em uma cultura, ele precisa ser instruído acerca do mesmo para poder entende-lo ou inferir, através da observação, o seu significado. Quando os símbolos são estabelecidos entre pessoas preparadas para saber a forma e o sentido que eles têm na tradição culturas, tais indivíduos participam de entendimentos comuns.
Em muitos tipos de comunicação e expressão, incluindo religião e arte, os símbolos são de fundamental importância. Nas culturas, a língua consiste em um dos sistemas mais importantes de símbolo, sendo a fala a sua forma principal.
2.6 QUALIDADE DA CULTURA
A cultura significa o modo de vida de um povo e manifesta-se nos seus actos e nos seus artefactos. Os modos de comportamento que compõem a cultura de qualquer sociedade representam generalizações de comportamento de todos ou de alguns como membros da sociedade. A cultura é social , selectiva , explícita e implícita.
2.6.1 Social
A cultura é criada, aprendida e acumulada pelos membros do grupo e transmitida socialmente de uma geração a outra e perpetuada em sua forma original ou modificada. Os indivíduos aprendem a cultura ou os aspectos da cultura no decurso de suas vidas, dos grupos em que nascem ou convivem. Dessa maneira, ela é compartilhada por todos.
A cultura é dinâmica e contínua, em virtude de estar constantemente se modificando, em face dos contactos com outros grupos ou com suas próprias descobertas e invenções, ampliando, dessa maneira, o acervo cultural de geração em geração. Varia, portanto, no tempo e no espaço. O crescimento da cultura, todavia, não é uniforme; pode haver épocas de grande desenvolvimento, de paradas e até de retrocessos. A alteração pode ser realizada por substituição ou por acumulação, tomando de empréstimo elementos de outra cultura, conservando-os ou adaptando-os. Quando os elementos componentes de uma cultura se harmonizam e se completam, tem-se a integração cultural, que aparece em diferentes graus de interacção, levando a uma participação geral. A cultura é padronizada à medida que todos os membros de uma sociedade agem da mesma maneira.
2.6.2 Selectiva
As sociedades, ao construírem suas culturas, através dos tempos, nem sempre incluem todos os padrões comportamentais dominantes de outras culturas, por várias razões: (i) por estarem latentes nas sociedades anteriores; (ii) para não perturbar a ordem estabelecida; (iii) por serem, muitas vezes, contraditórios ou conflituantes com os seus.
A selecção nem sempre ocorre por acaso; é feita levando-se em consideração certos postulados básicos a respeito não só do homem, como do mundo que o cerca. MARCONI e PRESOTTO (2010:40) apontam dois postulados básicos:

  • Existenciais - relativos à natureza da existência;
  • Normativos - referentes às coisas e ao homem no que tange ao bom ou ao ruim.
Muitas vezes, a sociedade preocupa-se com a escolha de padrões complexos, coerentes e compatíveis com seu modo de vida, tentando conseguir maior integração. A selecção pode ser consciente e desejada, mas a adopção de alguns padrões ou valores se faz de forma inconsciente. Em certos sectores da cultura nem sempre se encontram justificativas para o aparecimento ou desaparecimento de alguns padrões culturais. Muitas vezes, convivem, lado a lado, dois traços culturais opostos: o emprego de uma técnica avançada com outra superada. Exemplo - Nos garimpos de ouro, tanto há homens trabalhando com máquinas especializadas quanto com bateias ou peneiras.

2.6.3 Explícita ou manifesta
A cultura explícita ou manifesta, também designada aberta, é aquela que pode ser exteriorizada por meio de acções e movimentos. Os padrões normativos tendem a ser francos, objectivos e conscientes. A cultura manifesta inclui hábitos, comportamentos, aptidões, práticas religiosas, normas em geral. Exemplo - Abraço, dança, jogo. Porém, o exemplo mais típico é o da cultura material: artefactos, instrumentos, objectos.
2.6.4 Implícita ou não manifesta
A cultura implícita, não manifesta ou latente, é aquela que se encontra no íntimo das pessoas. É subjectiva, oculta, inconsciente ou dissimulada, portanto, perceptível somente pelo observador. Deve ser analisada minuciosamente através de normas manifestas que os incluem ou expressam. A cultura não manifesta de uma sociedade, muitas vezes, não pode ser percebida nem pelos seus próprios membros, por não fazerem parte de sua vida quotidiana. Incluem valores, crenças, ideias, conhecimentos. Exemplo - Reencarnação; modo de vestir da juventude actual.
2.7 PROCESSOS CULTURAIS
Processo é a maneira, consciente ou inconsciente, pela qual as coisas se realizam, se comportam ou se organizam. As culturas mudam continuamente, assimilam novos traços ou abandonam os antigos, através de diferentes formas. Crescimento, transmissão, difusão, estagnação, declínio, fusão são aspectos aos quais as culturas estão sujeitas.
2.7.1 Mudança cultural
Mudança é qualquer alteração na cultura, sejam traços, complexos, padrões ou toda uma cultura, o que é mais raro. Pode ocorrer com maior ou menor facilidade, dependendo do grau de resistência ou aceitação. Assim, tem-se mudança quando: (i) Novos elementos são agregados ou os velhos aperfeiçoados por meio de invenções; (ii) Novos elementos são tomados de empréstimo de outras sociedades; (iii) Elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, são abandonados ou substituídos; e (iv) Alguns elementos, por falta de transmissão de geração em geração, se perdem.
Quando os povos mantêm-se isolados ocorre a estagnação, pois a cultura permanece relativamente estática, modificando-se apenas em consequência de acções internas. Somente as culturas totalmente isoladas podem manter-se estáveis. Se os elementos culturais desaparecem, tem-se o declínio cultural. Muitas vezes, condições religiosas, sociais e ambientais levam ao desaparecimento ou mudança de um complexo cultural. Por um lado, se um simples traço ou toda uma cultura pode desaparecer, por outro, o renascimento cultural pode ocorrer, em consequência de factores endógenos ou exógenos.
As modificações na cultura, segundo Murdock, estão relacionadas com quatro factores: inovações, aceitação social, eliminação selectiva e integração.
a)       Inovação - A inovação, que sempre começa com o ato de alguém, pode ser efectuada de cinco maneiras: (i) Variação - representada por uma ligeira mudança nos padrões de comportamento; (ii) Invenção ou descoberta - através da criatividade. Os processos de descoberta e invenção podem ser atribuídos à casualidade ou à necessidade. Algumas invenções são absolutamente locais; outras exigem um meio geográfico propício para se desenvolverem, por isso, são em número reduzido; (iii) Tentativa - quando surgem elementos que tenham pouca ou nenhuma ligação com o passado (Exemplo - Máquina de escrever e computadores) ; (iv) Empréstimo cultural - elementos vindos de outra cultura. De todas as inovações, o empréstimo cultural é o meio mais comum e importante. Depende do contacto humano e, nesse caso, o inovador é apenas o seu introdutor. O empréstimo cultural não necessita ser completo; às vezes, a única coisa emprestada é a forma. Muitas vezes resulta do desejo de adopção de um elemento cultural mais adequado (Exemplos - fumo, arado, zen-budismo, Papai Noel etc); e (v) Incentivo - elemento alheio, aceite por um povo quando atende a suas necessidades. É essencial ao empréstimo cultural (Exemplo - Rádio, televisão, robô e computador).
b)      Aceitação social – é a adopção de um novo traço cultural através da imitação ou do comportamento copiado. No início, esse elemento pode ser aceite apenas por um indivíduo, estendendo-se depois aos demais. Preconceitos pré-existentes dos membros de uma sociedade receptora facilitam ou bloqueiam a aceitação ou o empréstimo de uma nova possibilidade cultural. A aceitação de um traço depende, muitas vezes, do seu significado. A aceitação vai depender de sua utilização ou necessidade. Todavia, a sociedade pode aceitar traços não utilitários como um jogo, um mito, uma ideologia, mas a aceitação é mais demorada.
c)        Eliminação selectiva - Esta consiste na competição pela sobrevivência feita pelo elemento novo. Quando um traço cultural ainda se revela mais compensador do que suas alternativas, ele perdura; mas quando deixa de satisfazer as necessidades do grupo, cai no desuso e desaparece, numa espécie de processo selectivo. Exemplo - A carruagem, que foram substituídos pelo automóvel, a bicicleta, a motocicleta etc.
d)      Integração cultural - O processo de integração, consiste no desenvolvimento progressivo de ajustamento cada vez mais completo, entre os vários elementos que compõem a cultura total. A integração é perfeita, pois há sempre modificações na cultura. Na integração deve haver adaptação progressiva, ajustamento recíproco entre os elementos culturais.
2.7.2 Difusão cultural
Difusão é um processo, na dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra. As culturas, quando vigorosas, tendem a se estender a outras regiões, sob a forma de empréstimo mais ou menos consistente. A difusão de um elemento da cultura pode realizar-se por imitação ou por estímulo, dependendo das condições sociais, favoráveis ou não, à difusão. O tipo mais significativo de difusão é o das relações pacíficas entre os povos, numa troca contínua de pensamentos e invenções.
Nem tudo, porém, é aceite imediatamente: há rejeições em relação a certos traços culturais. Quase sempre ocorre uma modificação no traço de uma cultura tomado de empréstimo pela outra, havendo reinterpretação posterior pela sociedade que o adoptou. Um traço, vindo de outra cultura através do empréstimo, pode sofrer reformulações quanto à forma, à aplicação, ao significado e à função. As condições geográficas e o isolamento são factores de impedimento à difusão cultural, que inclui três processos:

  • Apresentação de um ou mais elementos culturais novos a uma sociedade;
  • Aceitação desses elementos; e
  • Integração, na cultura existente, de um ou mais elementos
2.7.3 Aculturação
Aculturação é a fusão de duas culturas diferentes que, entrando em contacto contínuo, originam mudanças nos padrões da cultura de ambos os grupos. Pode abranger numerosos traços culturais, apesar de, na troca recíproca entre as duas culturas, um grupo dar mais e receber menos. Dos contactos íntimos e contínuos entre culturas e sociedades diferentes resulta um intercâmbio de elementos culturais. Com o passar do tempo, essas culturas fundem-se para formar uma sociedade e uma cultura nova. O exemplo mais comum relaciona-se com as grandes conquistas.
Segundo Herskovits, o termo aculturação não implica, de modo algum, que as culturas que entram em contacto se devam distinguir uma da outra como 'superior' ou 'mais avançada', ou como tendo um maior 'conteúdo de civilização', ou por diferir em qualquer outra forma qualitativa. Exemplo - A cultura brasileira resultou, em princípio, da fusão das culturas europeia, africana e indígena. O processo de aculturação inclui o processo de sincretismo e transculturação.
(i) Sincretismo - Em religião, seria a fusão de dois elementos culturais análogos (crenças e práticas), de culturas distintas ou não. Exemplo – Um banda, que contém traços do catolicismo, do fetichismo africano e indígena e do espiritismo. Em linguagem, consiste no uso de uma forma gramatical particular, a fim de realçar as funções de outra ou de outras, além da sua. Exemplo - Abacaxi (fruta ou problema); pão (alimento ou rapaz bonito).
(ii) Transculturação - Consiste na troca de elementos culturais entre sociedades diferentes. A aculturação consiste, pois, em uma forma especial de mudança. A sociedade que sofre o processo de aculturação modifica a sua cultura, ajustando ou conformando seus padrões culturais aos daquela que a domina. Entretanto, embora sofra grandes alterações no seu modo de vida, conserva sempre algo de sua própria identidade.
O desvio é realizado de formas diferenciadas, ou seja, com entusiasmo, desprezo, totalmente desaprovado, sancionado levemente ou lentamente ou totalmente rejeitado. Em nenhuma sociedade os processos de aculturação ocorrem total ou instantaneamente; a mudança é sempre mais rápida e aceita com maior facilidade em relação a traços materiais. Quando um traço novo entra em competição com outro já existente e o substitui, tem-se a deculturação. Exemplo - O fogão a gás que substitui o de lenha.
2.7.4 Endoculturação
O processo de ˮAprendizagem e educação em uma cultura desde a infância é chamado enculturação tanto por Félix Keesing quanto por Hoebel e Frost. Herskovits emprega o termo Endoculturação para conceituar a mesma coisa, significando, além disso, o processo que estrutura o condicionamento da conduta, dando estabilidade à cultura.
Cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. Ninguém aprende, todavia, toda a cultura, mas está condicionada a certos aspectos particulares da transmissão de seu grupo. As sociedades não permitem que seus membros hajam de forma diferenciada. Todos os actos, comportamentos e atitudes de seus membros são controlados por ela.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

MARCONI, Maria de Andrade e PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia: Uma introdução. 7 Ed.- 3 reimpressão. Editora Atlas. São Paulo. 2010.

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