O Povo da Macuana
Traços
genéricos do da Macuana antes da presença estrangeira
Segundo a tradição, todos
Macuas ou A-makuwa, reclamam uma origem mítica comum: os montes Namuli[1]. Tudo indica ter sido este,
o último foco de dispersão para os locais que foram ocupando, sucessivamente,
até aos nossos dias. Segundo alguns relatos da tradição oral, o nome Makuwa,
tem origem na palavra nikhuwa (plural makhuwa), que significa grande extensão
de terra, sertão, selva, etc.
Por outro lado,
alguns autores destacados como FERREIRA[2] defendem a tese de que o
“ma” na palavra “makuwa” não é um prefixo, mas faz parte integrante do nome. A
sua ortografia aparece sob as formas mais díspares. Tanto makuwa, como Makuwana
são termos pejorativos, empregados pelos habitantes do litoral, “A-maka”, para
designarem os do interior.
Há registos segundo
os quais antigamente que makuwa significava o termo “o que fabricava ferro”
sendo aplicada pelos caçadores-recolectores locais, ainda na Idade da Pedra,
aos primeiros imigrantes bantus.
Comuns entre os A-makuwa,
são a sua organização sócio-familiar (Mahimo) e a língua que falam (Emakhuwa).
Tem sido frequente, considerar-se haver diferenciação deste povo, porém, tais diferenças
resultavam da sua dispersão por um vasto território, do isolamento de certos
agregados e do domínio de determinadas linhagens, entre outros factores.
Os regionalismos que
caracterizavam este povo, fixados em diferentes espaços geográficos, levaram
alguns estudiosos a argumentar a existência de grupos independentes uns dos
outros. Na verdade, tais argumentos podem ser fictícios, uma vez que as
parentelas clânicas presentes em qualquer grupo do povo makuwa, têm
continuidades noutros grupos.
As variações dialectais
de Emakhuwa, muitas vezes usadas como indicativo da diferenciação de grupos,
não passam de realidades forjadas por factores como: tempo, contactos com
outras realidades sócio-culturais ou isolamento geográfico em relação aos
grupos que se desagregaram. Por outro lado, verifica-se a existência de uma
mútua inteligibilidade entre todas as variações de Emakhuwa.
Antes da presença
estrangeira, o povo makuwa ocupava o território que compreendia entre os rios
Zambeze, (a sul) e Messalo (a norte), o Oceano Índico (a este) e parte da
actual fronteira com o Malawi (a oeste). No vasto território que ocupava, este
povo estava constituído de cinco grupos, nomeadamente: A-makuwani (no planalto
central entre os rios Ligonha e Lúrio); A-lomwe (entre os rios Ligonha, a norte
e Zambeze, a sul); A-xirima (sul do Lago Niassa até perto do sudoeste com o
Malawi); A-meetto (entre os rios Lúrio a sul e Messalo a sul); e A-nahara (ao
longo do litoral)
O povo da Macuana ou
simplesmente A-makhuwani, era povo que vivia no planalto central da actual
Província de Nampula. Esta região localizava entre os rios Ligonha (a sul) e
Lúrio (a norte) e compreendia a todos habitantes dos actuais distritos de
Ribáuè, Mecuburi, Muecate, Nampula, Murrupula, Mogovolas, Meconta, Nacaroa,
Erati e Monapo, baseados na actual divisão administrativa.
1.1
Formas de organização
O sistema de
parentesco dos a-makuwani era definido por via uterina, compreendendo todos os
indivíduos de ambos os sexos, adultos e crianças que descendessem por aquela
via de uma mesma antepassada de que ninguém tinha memória, pois a sua
existência remontava aos tempos de origem.
Uma implicação
importante deste sistema, era que as mulheres e os seus filhos permaneciam
“propriedade” da sua própria família de origem, e podiam voltar para ela se o
casamento fracassasse.
Os povos da Macuana, antes da presença
estrangeira eram constituídos por unidades familiares compostas por grupos
familiares matrilineares[3],
uxorilocal e exogâmicos. As linhagens e segmentos de clãs, eram a base da
estrutura social.
Matrilinear porque o sistema de
descendência na família A-makuwa seguia a linha materna e os filhos herdavam os
bens e sua posição social, através da linha materna de sua família.
Nestes, as crianças pertenciam à linha
materna da família da mãe e o pai biológico, tinha menos influência sobre seus
filhos, já que ele não fazia parte da família. Sendo assim, o tio materno é que
exercia maior influência sobre as crianças, sobre tudo na tomada de decisões
importantes sobre suas vidas.
Mito
da origem da matrilinhagem makuwa
Reza lenda que, um dia nas entranhas
do monte Namuli, Deus fez germinar homens a partir das raízes de um
embondeiro “árvore dos mil anos”. Reunidos em pequenos grupos e seguidos por
animais da floresta, os primeiros a-makuwa conseguiram sair do tal reino de
trevas e chegar a luz. Chegados a superfície, cada grupo recebeu um nome
capaz de unir os seus membros e torná-los irmãos uns dos outros. Foi assim
que se formaram os diferentes Clãs ou Mahimo que ocupam hoje o território a-makuwa.
Um dia apareceu a morte e, com ela,
a necessidade do casamento para gerar filhos que pudessem ocupar o lugar dos
mortos de cada grupo. A pergunta que se fazia era a seguinte: Como
tal poderia acontecer se todos eram irmãos?
Os anciãos reuniram-se e tomaram uma
decisão sobre a nova forma de vida a adoptar. A partir daquele dia decidiram
o seguinte: Um homem quando se casasse, passaria a viver com a família da
esposa. Para tal, não deveria ter nenhuma autoridade sobre os filhos que fosse
a gerar senão sobre os filhos que forem gerados pela sua irmã. Os filhos
passariam a ser da responsabilidade da mulher e sob a autoridade do seu irmão
materno, o tio das crianças. Este mito das origens, ajuda a explicar a
estrutura social matrilinear dos makuwas.
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De recordar que matrilinear não é sinónimo
de matriarcal (que é um sistema no qual o comando é das mulheres). Não
significava que na família quem comandava era a mulher mas sim um homem da
linhagem materna (o irmão mais velho da esposa). A sua intervenção consistia em
tomar decisões importantes para a família (o tipo de cultivo, quando fazer os
ritos de iniciação das crianças, resolver controvérsias, etc.).
Eram Uxorilocais porque uma vez
casados, o casal devia fixar residência na família onde morava a mulher e não
do homem. Neste, pressupunha-se que todos os bens e propriedades, terras e
habitação de propriedade do casal eram bens da mulher, ou ainda da família da
mulher. Não era o homem a fornecer os meios de subsistência da família, mas a
família da mulher, embora fosse ele a tomar as decisões dentro da casa e sobre
o destino dos bens a património da casa.
Eram exógamos, porque não deviam se
casar com membros de sua própria linhagem (que é o conjunto de famílias
descendentes de uma ancestral comum e, portanto, portadores do mesmo Nihimo). Entre
os a-makuwa, considerava-se tabu, uma mulher casar-se com um homem do mesmo
Nihimo, independentemente de estar a viver na mesma área geográfica ou não.
O Nihimo ou Clã era
uma unidade espiritual (permanente e eterna) que unia todos os indivíduos
descendentes de uma mesma mãe/avo e com capacidade de associar os antepassados
mortos e os descendentes vivos na mesma comunidade. Os clãs eram
demograficamente vastos, que contavam com várias centenas de milhares de
indivíduos que, em virtude de uma relação genealógica presumível e
indemonstrável, se consideravam como descendentes em linha directa de um mesmo ancestral.
Os principais clãs e
respectivos ancestrais makuwas se destacavam: (i) A-Mulima atribuído a Nyika-Munu;
(ii) A-Lapone, atribuído a Mwatthukwa-Munu; (iii) A-Celece, atribuído a
Mwahave-Munu; (iv) Ana-Mpamela, atribuído a Morla-Muno. Deste clã, nasceram,
posteriormente: A-Nela e A-Yace; (v) A-Marrevone,
atribuído a Mwatttope-Munu; (vi) A-Male, atribuído a Pahuwa-Munu; e (vii) A-Mirasi,
atribuído a Momola-Muno.
Os a-makuwa estavam organizados por
linhagens, ou seja, várias famílias com uma ancestral em comum. Assim, as irmãs
com seus respectivos maridos viviam não muito longe da mãe das mesmas (e seu
marido), não muito longe das irmãs da mãe, da sua avó materna e das irmãs da
avó, mas também das primas do lado materno. Ou seja, casais onde as mulheres tinham
laços familiares pelo lado materno.
Num conjunto de várias irmãs e primas
(denominadas irmãs) ou sobrinhas e tias (denominadas mães) havia um irmão para
ser responsável. Todos os homens da família responsáveis por suas irmãs,
formavam o grupo de idosos da família na qual o mais velho deles era o chefe da
linhagem.
Os chefes das
famílias mais predominantes e donas da terra, pelo facto do respectivo fundador
ter sido o pioneiro da emigração, era reconhecido como o chefe de todo o
território. Na condução dos destinos dessa comunidade, tal chefe era designado
“Mwene Mulupale ou mutokwene” que significa “Chefe grande”. De entre vários
papéis, este devia: administrar
a justiça (presidindo os processos e decidindo punições); tomar decisões económicas
e sociais que afectavam toda a comunidade (por exemplo, se tinham que mudar a
área do cultivo); e presidir os ritos e cerimónias da comunidade. Nestas
decisões, era auxiliado para além da piyamwene, pelos líderes das sub-divisões do
seu território (outros A-mamwene, Mapili, A-tokwene, A-nakhulu ou Idosos,
A-kulukhana, entre outros).
Quando um líder morria, o mais
provável candidato para sucedê-lo era seu sobrinho, o filho de sua irmã mais
velha, obedecendo a regra de funções de transmissão de bens ao longo da linha
materna. O novo chefe devia ser eleito pelo Conselho dos Chefes da linhagem,
depois de terem ouvido o parecer da piyamwene, dos conselheiros, dos anciãos e
das pessoas importantes.
Nos ritos de investidura do novo
chefe, ele devia passar por uma triagem minuciosa e impiedosa feita por um conselho.
Neste fórum, devia-se trazer a tona todos os seus defeitos, fraquezas, erros e
comportamentos incorrectos que tivesse no passado. Eles o criticavam fortemente
por tudo, o insultavam e o humilhavam, a fim de incentivá-lo a corrigir-se e
melhorar. A prática do insulto e humilhação para fins de correcção era bastante
difundida a qual também era usada em outros ritos.
Elapo ou
simplesmente terra, era a principal divisão política dos A-makuwa. A palavra
designava simultaneamente o território da chefatura assim como os seus
habitantes e tinha como chefe religioso e político o Mwene. Para os A-makuwa, todo o Homem tem um Elapo, a que
pertence.
O Muttetthe, era um
espaço delimitado fisicamente no qual viviam e trabalhavam quotidianamente os
membros da casa, ocupado em permanência unicamente pelas mulheres. Os homens
tinham os seus próprios territórios ou muttetthenas suas linhagens, fora do
local onde viviam e trabalhavam, onde residiam as suas irmãs ou mães uterinas
denominadas respectivamente munna (avó) ou narokore (irmã) e namayi/mayi (tia
ou sobrinha).
1.2
O papel da mulher
A mulher ocupava o
centro da vida da família: educava os filhos, cuidava da casa e preparava a
comida. A sua principal tarefa, prendia-se com a maternidade e para tal, era
preparada desde cedo. Poder dar a luz, trazia-lhe algum privilégio e assim o
nascimento de uma menina era festejado efusivamente com ilulu e diferentemente
do homem em as mães até em lamentações se perguntavam: Valeu a pena sofrer
tanto?
Regra geral, a volta
dos Mwene estavam três personagens femininas: (i) a sua mulher principal, Ahano,
que por não ser do mesmo Nihimo, não exercia grandes influências, mas que, por
casamento estava veiculada a ele; (ii) Nammpewe, sua sobrinha ou irmã, cuja
importância particular advinha do facto de ser a virtual mãe do futuro Mpewe ou
Mwene que iria suceder ao actual chefe no trono; e (iii) Piyamwene, figura a
quem cabia o papel de destaque. Esta última, tinham assento no conselho
respectivo mwene.
Quer ao nível de Nihimo
dos donos da terra, quer dos restantes e suas subdivisões, Nloko ou Erukulu[4], para cada Mwene havia
sempre uma Piyamwene, uma sua parente, sobre tudo, uma das mães classificatória[5], a quem cabia o papel
preponderante na relação entre os vivos e os antepassados.
Ela representava o “ventre” da família
e garantia a transmissão e observância da tradição. Sendo assim, não deixava nunca
se envolver directamente nos conflitos e intrigas, para além de ser o elemento
que garantia a continuidade em tempos de crise. A sua opinião na tomada de
decisões importantes sobre a vida da respectiva comunidade territorial ou grupo
uterino era preponderante e imprescindível.
Esta figura,
costumava ser uma irmã ou sobrinha uterina do Mwene, sendo a que pertencia ao Nloko[6] mais importante na
hierarquia etária das fundadoras dos subgrupos uterinos num determinado
território. Apenas em caso de falta de mulheres capazes nos grupos legítimos, é
que se podia recorrer a irmãs ou sobrinha de um outro Erukulu, não
tradicionalmente elegíveis.
Há referências de que
a piyamwene preparava a sua herdeira ainda em vida, sendo uma sobrinha ou irmã,
que desde criança beneficiava dos seus ensinamentos e iniciação nos segredos da
família. Ela tinha por funções preparar as diversas cerimónias tradicionais e
secundar o respectivo chefe, que as presidia, no âmbito da família clânica ou
comunidade territorial, tais como a invocação da ajuda aos espíritos dos
antepassados em caso de calamidades naturais ou graves problemas sociais e
imprevistos.
Ao nível territorial,
a piyamwene: presidia as cerimónias de iniciação de rapazes e raparigas;
participava na escolha e coroação de um novo chefe na hierarquia respectiva,
executava as cerimónias de coroação de uma piyamwene de outros a-mamwene da
região.
Em suma, desempenhava
a função de ligação entre os vivos e os mortos, assumindo-se como a
conservadora da tradição que mantinha a fidelidade `a linhagem original e os
valores culturais do povo. Era intermediária entre o passado e o futuro,
garantia da continuidade e factor de equilíbrio no exercício do poder político.
Como conselheira
principal do chefe, possuía um conselho formado pelas anciãs das linhagens da
povoação e pelas a-namuku ou conselheiras e instrutoras dos ritos de passagem. O
termo “apiyamwene” é hoje as vezes utilizado para designar a mulher mais velha
de uma família que dirige as cerimónias internas de cada erukulu ou nloko.
1.3
Educação pelos Ritos de iniciação
No passado era grande
a preocupação pela educação das crianças, pois era a garantia do que as pessoas
foram no passado, eram no presente e pretendiam ou queriam ser no futuro, bem
como o veículo da transmissão desses valores entre gerações.
Desde o seu
nascimento até ao desmame as crianças estavam a responsabilidade quase
exclusiva das mães. Depois do desmame entravam em contacto com outras crianças
com quais iam aprendendo a vida, mas ainda perto das mães.
A partir dos 4 a 5
anos de idade, impunha-se uma separação das crianças em função do sexo, para
que os rapazes e raparigas fossem convenientemente preparados para o seu papel
na sociedade. Os rapazes entravam em contacto com homens adultos, com os quais
aprendiam a “saber ser” e “saber fazer”, através da observação, experimentação
e imitação. As raparigas estavam sempre na companhia da mãe ou outras parentes
uterinas com as quais iam cultivando as artes femininas: cozinhar, limpar a
casa e utensílios domésticos, pilar, tirar água, tomar conta dos irmãos mais
novos, entre outras.
Ao nascer, um bebê Mmakuwa não se
encontrava ainda plenamente integrado na sociedade pois o seu verdadeiro
nascimento social acontecia após fazer parte dos ritos de iniciação. Crianças
não iniciadas eram de facto consideradas pessoas incompletas, tanto que, no
caso de morte de um não-iniciado os ritos fúnebres seriam reduzidos.
Os
rituais eram importantes, não só porque educavam os membros sobre os seus
direitos e deveres assim como coordenar a sociedade (reestruturando as suas
categorias de indivíduos), mas também porque durante o seu desenvolvimento
utilizavam símbolos que exprimiam os valores fundamentais da sociedade e,
assim, forneciam elementos importantes para entender uma determinada comunidade.
Era um
momento em que a sociedade contava a sua própria história, podendo aproveitar a
oportunidade para reconstruir e mudar a narrativa dessa história. Porque todas
as sociedades são dinâmicas e mudam, os ritos eram os momentos em que essas alterações
podiam ser sancionadas colectivamente.
Os ritos de iniciação
eram a única escola que as crianças a-makuwa frequentavam na vida e os
restantes conhecimentos iam adquirindo ao longo da vida. Estes, eram um espaço
educativo de transição da infância para idade adulta, detinham aspectos de
grande valor simbólico que acompanhavam a criança e a ajudavam a entender as
mudanças que ocorriam no seu corpo e na sua psique.
Detinham como estratégias, um conjunto de actos
repetitivos e codificados, muitas vezes solenes, de ordem verbal, gestual e
postural de forte carga simbólica, fundados na crença na força actuante de
seres ou de poderes sacros, com os quais o homem tentava comunicar, em ordem a
obter um efeito determinado.
Nos a-makhuwani, os ritos
de iniciação tornavam-se, assim, uma “escola do cidadão e da vida”, pois eram
aprendidos os significados dos símbolos e rituais, o sentido e o funcionamento
da magia, a hierarquia dos antepassados, a teodiceia, as relações que devia
observar com o mundo individual e as normas da ética; era uma iniciação
religiosa e, também, a descoberta dos mistérios da vida, o significado e o
valor do sexo e a preparação para a sua função social.
Crianças de ambos os sexos, eram
submetidas aos ritos de iniciação, que eram considerados como verdadeiros
nascimentos sociais, e era somente após esta iniciação que poderiam participar
dos momentos importantes da vida colectiva, tais como cerimónias, funerais e
reuniões da aldeia. As marcas deixadas no corpo do iniciado durante o ritual
(circuncisão, tatuagens, entre outras) seriam os sinais físicos de
transformação na personalidade e no status do indivíduo.
Enquanto os ritos de
iniciação dos rapazes lançava-os numa busca de si próprios, por sua vez, os
femininos as dirigiam aos seus papéis de “Ser para os outros”. Depois dos
ritos, a vida de ambos mudavaː enquanto os horizontes da rapariga se
estreitava, os do rapaz ampliava-se se tivesse oportunidade para os
desenvolver.
Nos dias de hoje,
nota-se uma tendência da Igreja católica e outras religiões em procurar os
ritos de iniciação da tradição Makuwa, `as suas próprias práticas e crenças.
Como consequência disso, existe hoje uma versão dos ritos denominada “Ritos de
iniciação renovados” em que são introduzidas algumas modificações em aspectos
tradicionais considerados negativos.
Esta iniciativa tem a
intenção de abrir outros caminhos na vida dos iniciados e introduzir
modificações partindo das tradições da cultura makuwa mas que ainda encontram
alguns problemas como por exemplo: a prática tradicional de alongamento dos
lábios vulvares dos ritos femininos que a igreja não aceita por considerar
masturbação e logo ser um pecado.
Outro aspecto que se
apresenta contraditório, é que nos ritos renovados introduzem-se explicações
técnicas para “desmistificar” o modo antigo de explicar os fenómenos. Porem, tal
prática há o risco de despojar o ritual da sua força simbólica, sem
proporcionar outro equivalente simbólico.
Em fim, as crianças
que não passassem pelos ritos de iniciação, ainda não faziam parte do grupo
social definido entre os a-makuwa. Isto porque ainda não conheciam a sua
filiação, o seu Nihimo e os segredos a ele ligados.
A.
Ritos
masculinos
Entre os seis aos
doze anos os rapazes eram submetidos aos ritos de iniciação makuwa que tomavam
o nome genérico de “Masoma” onde para além da circuncisão, aprendiam por
demonstração, aspectos da vida prática dos homens adultos assim como os
segredos e tabus ou miyikho, relativos a vida da sua comunidade.
Estes decorriam normalmente durante os
meses de inverno), quando não era necessário muito esforço nos campos, quando
as famílias ainda tinham estoques de alimentos no celeiro e dinheiro ganho com
a colheita. De facto, os ritos requeriam uma grande quantidade de recursos
(sobre tudo dinheiro), tanto para pagar os especialistas dos rituais quanto
para pagar as festas e cerimónias ligadas aos mesmos. Por esta razão, normalmente
se realizavam os ritos quando se conseguia reunir um grupo de pelo menos dez crianças.
O rito em si era realizado em um
pequeno acampamento construído para a ocasião, a certa distância da povoação.
Durante o ritual, os iniciados não podiam ter qualquer tipo de contacto com
pessoas de fora do rito e, mesmo em caso de morte de um dos iniciados, os pais
seriam informados somente depois de concluídos os mesmos.
No início da fase preliminar era
realizada a cerimónia de makeya, presidida pelo mwene com auxílio da piyamwene
e outras figuras importantes, ao pé da árvore sagrada (de principio num
embondeiro) da família ou da comunidade na presença das crianças a serem
submetidas aos ritos. Ainda se preparava uma refeição comunitária de despedida na
casa do mwene e no final seguiam para o local de circuncisão que devia ser na
floresta.
Para a circuncisão todo iniciado tinha
um padrinho denominado Namuku, que o acompanhava e o ajudava em todo o processo
do rito. Eram os a-namuku que preparavam as refeições para as crianças nos
primeiros dias na floresta. Depois da segunda semana (quando iniciassem a
cicatrização), estes poderiam ir buscar a comida em casa dos pais ou familiares
das crianças.
Entre os a-makuwa de
Nampula do passado, os ritos de iniciação masculina decorriam na floresta e
longe do olhar das mulheres ou qualquer pessoa que não tivesse passado dos
mesmos e podiam durar entre 3 a 6 meses ou mais. O retiro na floresta por tempo
prolongado, para além de se dar oportunidade de abranger todas as áreas da vida
humana, representavam para a criança um marco da roptura definitiva com o
estágio infantil para a vida adulta.
Estes envolviam
processos de uma autêntica imposição dos valores sociais, razão pela qual em
alguns casos incluíam castigos corporais até mesmo psicológicos. Os métodos
mais predominantes eram as representações sócio e psico-dramáticas acompanhadas
de canções e danças próprias. As “aulas” eram caracterizadas por uma linguagem
agressiva, carregadas de insultos, injúrias e humilhações. Isto tinha em vista
conduzir aos rapazes `a memorização a longo prazo através de fixação
involuntária, associando o aprendizado com a situação não muito agradável do
iniciado.
Os conhecimentos
transmitidos durante os ritos versavam sobre a saúde, funerais e tabús a eles
inerentes, a ética, os diversos tabus da iniciação sexual, conservação do meio
ambiente, história da comunidade local, as técnicas de caça, pesca construção
de imóveis e o artesanato.
A fixação sensata
resultaria da curiosidade de saber o sentido das palavras codificadas e das
representações do desconhecido para a compreensão dos factos. Este método
visava também moldar nos iniciados a paciência, a tolerância e a ponderação.
Moldava-lhes a vontade e corrigia-lhes as faltas.
Até o retorno dos iniciados os pais
também precisavam seguir vários requisitos como: não se lavar, não se vestir
bem, não pentear o cabelo e não ter relações sexuais.
Ao final do ritual, os iniciados deviam
receber outro nome que indicava tanto um estado (dimensão essencial) quanto uma
missão (dimensão funcional). Tal nome era anunciado aos familiares femininos
que não estiveram na floresta, numa cerimónia denominada wuluma.
Finalmente, acontecia a fase de
reintegração, na qual o acampamento era destruído e queimado com todos os
utensílios e vestuários usados durante a estadia. Em seguida, os iniciados
realizavam um banho de purificação e voltavam para a comunidade mostrando as
competências adquiridas. No final, realizava-se uma refeição comunitária de
recepção, onde todos os membros da família e os amigos rejubilavam com a chega
dos novos homens, que até podia durar um dia inteiro.
Depois dos ritos de
iniciação, os rapazes entravam imediatamente para a fase adulta, de onde
passava a participar activamente na vida da comunidade. Uma vez feitos homens,
estes iriam fecundar mulheres de outros grupos, servindo apenas de protectores
e tutores quanto aos filhos das suas irmãs.
B.
Ritos
femininos
Entre os A-makuwa, as
raparigas eram consideradas a garantia e continuidade da comunidade, pois era a
futura mulher que ao nível da família uterina seria responsável pelo
enriquecimento do grupo Clânico a que elas pertenciam.
Tal como os rapazes,
as raparigas eram igualmente submetidas aos ritos de iniciação, denominados
Imwali. Geralmente estes decorriam depois da primeira menstruação[7], (que acontece geralmente
entre os 12 em diante, embora haver casos de meninas que atingiam os 18 anos
antes de menstruar). Os ritos começavam mais cedo quando as raparigas começavam
a distender pequenos lábios vulvares, pratica denominada “othuna”. Tal podia
ser informalmente (com as suas coetâneas[8]) ou sob orientação da mãe,
tia ou avó. O objectivo do alongamento dos lábios vulvares ou othuna, era de
completar a mulher e prepará-la para a função sedutora providenciando prazer no
homem[9].
Estes ritos,
decorriam apenas entre as mulheres e duravam no máximo entre uma a duas
semanas. Nos ritos, as meninas eram, tal como os homens, submetidas a processos
de aprendizagem baseados em aspectos práticos da vida, com vista a sua
preparação para o seu futuro papel de esposa e mãe.
Importa lembrar que a
educação das meninas começava muito cedo, mesmo antes de ter o primeiro ciclo
menstrual, continuava por anos a fio e ao longo da vida, pois a medidas que iam
atingindo novos estágios da vida teriam sempre as parentes idosas para lhes
transmitir os respectivos conhecimentos”.
Entre os a-makuwa de
Nampula do passado, era frequente as mulheres serem submetidos a ritos em
diferentes momentos ou fases da vida tais como: no primeiro casamento, o
nascimento do primeiro filho, na morte do filho/a, no nascimento do primeiro
neto/a, no amadrinhamento de novas iniciadas, entre outros acontecimentos.
Os ritos femininos não
aconteciam num único momento tal como aconteciam com os ritos masculinos, pois
aqueles seguiam um processo longo com algumas fases.
Logo após a primeira
menstruação, as meninas eram submetidas a um aconselhamento denominado
“Oleeliwa”. Nesta cerimónia, as mestras explicavam a menina o significado da
menstruação e as normas de higiene durante a mesma. Explicavam também algumas
regras de comportamento, sobre tudo, as proibições que não deviam praticar
durante o “período de lua” ou “mmweerini[10]” tais como: Falar sempre
em voz baixa com a cabeça inclinada; Não atravessar, saltar, ou passar por cima
das pessoas; Não salgar a comida (tal procedimento podia provocar doenças
graves `a outras pessoas como o caso de hérnia nos homens), pois a menstruação
era vista como sendo uma poluição.
Depois do primeiro
momento, seguia-se a fase do “Período de Margem” denominada Opopheyiwa ou
Ovoloyihiwa. Nesta fase, os conteúdos dos conselhos dados `as iniciadas versavam
sobre: o casamento, o sentido de honra, os comportamentos a evitar, entre
vários. Da mesma maneira, os conselhos de iniciação denominados ikano ou
itthoori, que podiam até ser dados por homens[11] visavam: Desenvolver
empatia ou capacidade de desempenhar correctamente os futuros papéis de esposa
e mãe; Moldar a personalidade das iniciadas; e Prepará-las para o casamento.
Tais conselhos cumpriam a função de prescrever para as raparigas o seu papel de
“ser para os outros” na esfera doméstica, produtiva e comunitária, enquanto
esposa, mãe, pessoa solidária
A terceira fase era
denominada “Ensinamentos da floresta” ou então “Omirini”. Nesta, as raparigas
eram orientadas a procurar o remédio de iniciação ou “Nxileyamwali” cuja forma
determinava se elas tiveram ou não no passado um bom ou mau comportamento com
os homens. Tratava-se aqui de uma maneira de inculcar nelas a ideia de que
“deviam evitar infidelidade e existia uma forma suprema que sempre sancionava o
que era irreverente”.
Esta prática tinha em
vista controlar a sexualidade das raparigas e o risco de qualquer irreverência
por um lado e ajudava-lhes a conhecer o seu corpo no contexto da sexualidade. Para
complementar esta fase, também passavam-se conteúdos ligados a Saúde
Reprodutiva, com destaque para o uso de formas tradicionais de controlo da
fertilidade.
Neste processo, não
eram transmitidos, as iniciadas, ensinamento sobre o processo de parto, uma vez
que constituía mwiikho, enquanto não tivesse chegado a altura própria. Apenas
podiam ser passadas mensagens sobre o processo da fecundação a partir da união
entre órgãos genitais do homem e da mulher.
Era nos ritos de
iniciação femininos que se fazia uma celebração do corpo das mulheres, sobre
tudo da sexualidade feminina. Através deles, compartilhavam-se segredos das
mulheres, mostrava-se o vínculo simbólico entre o seu corpo e a natureza como
por exemploː a relação entre a menstruação e os ciclos da lua, a analogia que
se estabelece entre a sexualidade das mulheres e a origem do fogo.
Pelos ritos,
estimulava-se na rapariga a descoberta das possibilidades eróticas do corpo,
ensinava-se o uso de sementes e óleos naturais nos rituais de preparação da
relação sexual.
Para uma rapariga, o
reconhecimento do seu corpo na puberdade podia ser a porta aberta para uma vida
sexual mais satisfatória, pois os ritos femininos a-makuwa eram vistos como
expressão do conhecimento ancestral das mulheres sobre o seu corpo, eram
potencialmente um espaço feminino de poder.
As raparigas que
participavam da experiência dos ritos, ganhavam também uma consciência do seu
ser mulher num outro sentido: confirmavam os limites e as proibições que se
colocavam as suas vidas e que tinham já começado a aprender na sua família. Se
desde muito pequenas as crianças eram preparadas a desempenhar papéis e a
conformar-se e aceitar o destino, era pelos ritos de iniciação que as jovens
aprendiam a situar-se na hierarquia familiar e que o seu estatuto era definido.
A escola formal que
posteriormente veio a ser implementada na sociedade Makuwa, no início não
constituía um acontecimento importante. Ir a escola, para uma criança iniciada,
significava o prolongamento da infância e o adiamento da entrada a vida adulta.
O ser capaz d ler e escrever não era um valor óbvio, principalmente nas famílias
rurais, uma vez que o conteúdo curricular do ensino não era aplicável `a vida
diária da criança.
Depois dos ritos, para
a rapariga, o casamento e a maternidade perfilavam como único futuro, o que
fazia com que estes contribuíssem para que as características sexuais se
convertessem num destino que se apresentava como inalterável para as mulheres.
1.4
O casamento
Na sociedade moçambicana em geral e na
cultura makuwa em particular, o casamento não era um evento que acontecia entre
duas pessoas, mas sim entre duas famílias. Toda a comunidade realmente se
sentia envolvida em um casamento, uma vez que entrava em jogo a consistência, a
reputação e o futuro de uma linhagem da sociedade em geral. O casamento era
muito importante, pois uma pessoa não era completa se não se casasse e era
vista como um tempo de crescimento pessoal e de maior integração na comunidade.
No casamento Makuwa não existia o dote
(a mulher que levava consigo os bens) nem o preço da noiva (o homem que oferece
bens para a família da noiva). Considerava-se que com o casamento a família da
noiva enriquecia porque adquiria um novo membro que ajudaria na casa e nos
campos.
Quando os dois jovens começavam a
sentir atracção um pelo outro, o rapaz falava com seu tio materno manifestando
o desejo de casar-se com a moça. O tio consultava os pais do rapaz e os anciãos
da família, depois iniciavam-se as negociações com a família da rapariga.
Essas negociações podiam durar várias
semanas. Durante esse tempo, a família da rapariga fazia pesquisas sobre a
família do rapaz para ter certeza de que não há laços de sangue entre eles e
para verificar a reputação do nome. Investigações terminadas e aprovado o
rapaz, esse era entregue à família da rapariga com a qual ele ia viver por um
período de teste (cerca de um ano), durante o qual viviam juntos como um casal
de facto, em todos os sentidos.
O rapaz devia demonstrar que era um
bom rapaz (trabalhador, fértil e bom marido). Se um deles decidisse, nesta
fase, que não estão convencidos um do outro, o processo se interrompia e se
separavam, sem quaisquer consequências. Se durante o ano de teste desse tudo
certo, os anciãos da família iriam estabelecer a aprovação final do casamento.
Os ritos de casamentos eram parte de
um processo que leva cercava seu tempo prolongado, e todos os rituais que
compunham este processo eram considerados importantes para o mesmo.
Uma pessoa, podia unicamente
casar-se com um membro do seu subgrupo, isto é, não podia se casar com pessoas
da geração da sua mãe ou da sua filha mas sim da sua avó ou neta.
Os casamentos
preferenciais eram entre primos cruzados, isto é, entre os filhos de um irmão e
de uma irmã, dado que eles pertenciam por nascimento a metades diferentes. A
preferência por este tipo de casamento, era antes uma manifestação de luta
entre linhagens pelo controlo da terra, do trabalho, da descendência, entre
outras e reflectia um movimento em direcção ao controlo diferenciado sobre a
produção e reprodução por grupos de descendência hierarquizada.
Igualmente, podia se
casar com pessoas de idades muito diferentes, ou seja, um homem podia se casar
com uma mulher viúva mais velha que ele, duas gerações e um velho podia receber
em casamento uma rapariga nova da geração da sua neta.
Se uma mulher com a
idade não se considerar suficientemente atraente sexualmente e ao mesmo tento
se considerar que o seu marido sempre teve um bom comportamento (fecundidade e
produção) era responsabilidade desta, entregar-lhe uma outra parceira sexual
jovem que se denominava Ekuxoo[12]. Constituía uma forma de
gratidão ao marido, reforço e reconciliação da família e tal era considerada
uma prática normal. Tal jovem devia ser casada pois em caso de conceber, os
filhos eram atribuídos ao seu marido. Em caso de solteira a viver com a sua
avo, em caso de conceber a sua avó devia procurar-lhe logo um marido para
assumir a paternidade dos filhos. Havia casos porem, que sendo a ekuxoo uma
solteira, esta passava a assumir o papel de segunda esposa e o Homem assumia a
paternidade dos filhos.
1.5
As relações sexuais
Para um casal, as relações sexuais
eram uma fonte de união entre os cônjuges, entre estes e os antepassados e o
resto de suas famílias. Entre tanto, havia uma série de situações em que os
cônjuges não podiam ter relações, como: durante a menstruação, após o parto até
o desmame da criança, em caso de doença, em caso de morte de um parente muito
próximo, durante os ritos de iniciação de seus filhos e durante a preparação de
grandes ritos tradicionais de sacrifício.
As relações extraconjugais eram
extremamente mal vistas e resultavam na separação temporária ou permanente do
casal. Eram permitidas apenas em alguns casos. Primeiro, por hospitalidade da
noiva. Em caso de receber uma visita de um personagem muito importante, o
marido poderia oferecia a sua esposa por uma noite. Segundo, podia ser em
situação de troca de esposas denominado “onthamwene wa mpani”. Tal acontecia
quando dois amigos muito íntimos decidiam trocar as esposas por uma noite ou
algumas noites alternadas com vista a pagar e reforçar ainda mais a amizade de
ambos (a troca só podia acontecer se as esposas consentirem, pois havia casos
em se não haver comunicação as esposas tanto ambas ou uma delas podia negar).
Terceiro, podia ser ajuda em caso de infertilidade, denominadas: útero de
aluguel ou doação de esperma. Quando o parceiro homem fosse estéril, a família
do casal podia identificar um homem fértil para fecundar a mulher para evitar divórcio.
Quando se provasse que estéril era a mulher, para evitar divórcio os familiares
podiam identificar uma mulher fértil dentro da família para ser fecundada pelo
homem. Finalmente, as relações rituais. Frequentemente, aconteciam relações
sexuais em rituais de corte de cabelo de casos de morte. Se um homem ou mulher
morresse, o membro vivo podia receber uma parceira ou parceiro (conforme o
caso) para o ritual de corte de cabelo.
Os casais adoptavam como métodos de
controlo de natalidade: abstinência periódica (especialmente após o parto);
aborto (principalmente no caso de adultério); uso de contraceptivo natural
preparado por um curandeiro especialista.
1.6 A dissolução do casamento
Se o casal tivesse divergências insuperáveis, ou em
casos de infertilidade, impotência, adultério, abortos frequentes, morte
frequente dos filhos, ou maus tratamentos graves, normalmente procurava-se
encontrar soluções para estes problemas através de debates na família ou
comunidade liderada pelos chefes das respectivas famílias.
Se não conseguissem chegar a um acordo, apelava-se para o tribunal
comunitário ou opwaroo, presidido pelo chefe da aldeia, o qual organizava um
processo real com várias testemunhas, debates e julgamento. Caso a decisão fosse
pelo divórcio, o marido voltava para sua família deixando os filhos com a
mulher e os dois seriam livres para se casar novamente.
Por parte do marido, jogavam a seu favor como sendo
motivos da separação, os seguintes: por a mulher se recusar a culimar a
machamba; pelo seu mau porte, ausência constante e esterilidade.
A mulher podia deixar o marido pelos seguintes motivos:
quando o marido é malandro ou mulavilavi; quando não lhe desse de vestir;
quando, tendo mais duma mulher, por gostar mais duma, não dormir com as outras;
quando não dormir com ela pelo espaço de três dias, o máximo; por doença
incurável e adultério (contra vontade da mulher).
Se um dos cônjuges fosse
acusado pelo outro de adultério, provando-se a sua inocência, o acusador, sendo
o homem, pagava a mulher e se fosse a mulher, paga ao homem. O pagamento podia
ser em vestuários, galinhas ou géneros da machamba.
Geralmente para
que haja separação, reúne a família para discutirem o assunto e verem se há
razões para que a separação tenha lugar.
1.7 O nascimento de um novo membro
Um novo nascimento concretizava a esperança de que a vida
continuava reforçando o elo entre o passado e o futuro. Era sinal de que os
ancestrais continuavam a agir como intermediários entre a fonte da vida e a
sociedade. Com um novo nascimento toda a comunidade ficava mais forte. Por esta
razão a infertilidade era vista como uma desgraça, um castigo ou uma maldição,
como resultado da violação de qualquer lei, de má conduta ou acção de alguém
que lhes desejasse o mal.
Durante a gravidez a mulher era tratada como se estivesse
doente, porque o que carregava no ventre era considerado delicado e frágil.
Durante este período o casal devia continuar a ter relações sexuais, porque
considerava-se que as relações sexuais fortaleciam a criança e servia para
completar o seu crescimento.
A mulher mostrava a todos que ela
estava grávida vestindo-se e se penteando de modo diferente, menos cuidada.
Também recebia uma série de ensinamentos’ de forma individualizada, por parte
das mulheres conselheiras, aquelas que normalmente conduzem as cerimónias e os
ritos. Esta educação podia ter lugar na casa da Piyamwene ou na casa de uma das
conselheiras, e eram transmitidos ensinamentos sobre a gravidez, sobre o
comportamento sexual a manter com seu marido, higiene íntima e sobre os rituais
e requisitos que deveriam ser seguidos.
O parto era um momento de segregação
absoluta ao qual apenas as mulheres podiam participar, normalmente, as
conselheiras/anciãs. Acontecia em um lugar longe das crianças e homens, um
lugar tranquilo.
Se ocorressem complicações durante o
parto, o marido deveria adoptar uma série de comportamentos (esvaziar a casa,
vestir-se mal, mostrar-se triste) e a mulher deveria confessar para as anciãs
que frequentam o parto, todo o seu mau comportamento e suas traições, podiam
desafogar todos os problemas que tem com seu marido, podia insultá-lo e injuriá-lo,
até deveria confessar o nome do verdadeiro pai da criança (se a grávida não fosse
do seu marido).
Também as anciãs poderiam se juntar
neste momento e confessar-se. Tudo o que era dito neste momento era um segredo
absoluto e nunca seria divulgado a ninguém que não estivesse presente. Após o
Parto seguia o corte do cordão umbilical, um primeiro banho com água preparada
de um modo particular, o soterramento da placenta, e uma série de pequenos
rituais. Se nascesse uma menina as mulheres emitiam um grito tocando o elulu
alegre muito longo, porque as fêmeas garantem a linhagem e, consequentemente, o
crescimento da família, enquanto se nasce um menino, o grito será de menor
duração.
Logo que nascesse a criança, procediam à operação da
extracção do cordão umbilical, etekhu, para o que atavam um pequeno e fixo
cordel envolvendo o cordão junto ao corpo, mas com força, e assim deixavam
ficar que depois de seco, caia por si. Depois da queda deste cordão,
realizava-se a cerimónia de corte do primeiro cabelo da criança.
A escolha do nome da criança era feita
por um dos parentes mais próximos: seu tio materno, pai, avós ou alguém muito
importante para o casal. O nome podia ser inspirado por muitas coisas: um
desejo realizado, um evento na vida da família, o nome de um antepassado,
qualquer coisa que tivesse um significado especial para a família.
Os
novos nascimentos fortaleciam o vínculo com os ancestrais e atribuir nome de um
ancestral a um recém-nascido era garantia de um maior bem-estar na sociedade.
Por exemplo, no passado, creditava-se que um recém-nascido ao receber o nome do
ancestral, o mesmo recebia também certas características do falecido. Por esta
razão, não era frequente atribuir-se a um recém-nascido, nome de pessoa ou antepassados
que tivessem sido de má conduta (ladrão, feiticeiro, mulavilavi, entre outras)
ou então nomes com significados de maldade.
Se o
nome do antepassado fosse seu avo e que se a sua avó ainda estivesse viva,
brincando chamava-o carinhosamente de “meu marido”. Assim que a criança crescesse
e se casasse, a avó podia dizer à sua esposa que ela lhe roubou o seu marido e
que estava com ciúmes.
Os nomes para os a-makuwa atribuídos a
recém-nascidos, designavam a natureza da pessoa. Este será o primeiro nome, mas
durante sua vida ele podia receberia outros nomes dados a ele pelos amigos,
durante a iniciação, casamento ou quando fosse substituir um ente querido ou
mesmo escolhidos por si. Esta multiplicidade de nomes indicava a complexidade
da personalidade de cada um.
Com cerca de um ano de idade acontecia
uma pequena cerimónia para o desmame da criança, que consistia em um banho de
purificação seguido de uma refeição com todos os membros da família, amigos e
pessoas relevantes. Com esta pequena cerimónia a criança se integrava mais na
comunidade e estabelecia também a sua entrada em vida, visto que superou o seu
primeiro ano de vida, por sinal o mais crítico.
Quando
um casal fosse estéril, realizava-se uma investigação para tentar descobrir o
porquê, assumiam remédios tradicionais, faziam sacrifícios aos antepassados e,
quando nada funcionava, tentavam identificar um possível culpado (uma maldição
que recaiu sobre o casal por exemplo). Se não houvesse resultados favoráveis, o
casal podia querer recorrer a ajuda de outras pessoas (o marido engravidava
outra mulher ou outro homem que engravidava sua esposa), e a criança que
nascesse seria reconhecida no todo e para todos como o filho do casal, e eram
removidos todos os laços com os pais biológicos.
1.8
Crenças e Cultos.
A vida era um valor
absoluto, cujo fundamento estava em Deus ou Muluku. Para os a-makuwa, negar a
existência de Muluku era o mesmo que negar a própria vida, dai a expressão: “Muluku
Mpattuxaa ni mwanene a itthu sothene”ou seja, Deus é Criador
e dono de todas as coisas”. A esfera religiosa abarcava tudo o que existe na
natureza e para eles, o universo era povoado por seres materiais e espirituais
e, tudo formando numa só coisa.
Para os a-makuwa,
Muluku era um só, criador de todas as coisas dono de tudo e Senhor da
humanidade, daí considerar os homens de seus filhos ou anaaka. O que Muluku
queria e quer era o bem das suas criaturas e os homens deviam se preocupar não
com Deus, mas sim com os maus espíritos e com os inimigos, fazendo de tudo para
se defender deles.
“Muluku
okhala” ou “Deus existe” era uma frase constante entre os
povos a-makuwa mais tradicionais e expressava a existência de Deus não só nas
coisas boas, mas também nos infortúnios da vida, como uma esperança de dias
melhores.
Na visão de mundo, para
os A-makuwa não havia divisão entre o sagrado e o profano, entre o mundo e
Deus/o divino, entre o natural e o artificial, nem entre o homem e a natureza.
O divino e o sobrenatural estavam por toda parte, convivendo com e no mundo
natural e humano, interagindo com ele e influenciando-o em todos os momentos.
Os espíritos dos
antepassados estavam sempre presentes, sempre atenciosos com o que acontecia
com seus descendentes. Os protegia, os orientava e se comunicavam com eles
através de sonhos e visões tomando forma de animais (especialmente serpentes),
possuindo alguém, ou através de uma série de sinais (geralmente eventos fora do
comum).
A crença nos antepassados, tão
discutida e afirmada erroneamente como a “religião dos a-makuwa”, tratava-se
não de uma religião, mas sim na crença de que os mortos se tornam
personalidades superiores e estão ao lado de Muluku, como colaboradores directos. A-nakuru eram espíritos dos
mortos que não conseguiram entrar na categoria de “antepassados” por não
estarem em sintonia com Deus.
Neste povo,
acreditava-se que os mortos tinham as mesmas necessidades e exigências que os
vivos. Estes, pelo seu poder temível, mostravam-se irados com os vivos, sendo
necessário aplacar as suas iras e satisfazer as suas exigências para que não
pudessem desencadear castigos.
Os males que atormentavam os homens,
não eram “atribuídos a Deus”[13]
mas sim propagado pelos espíritos ou outras almas errantes e feiticeiros. Era
destes elementos que os vivos deviam se defender, acalmando-os, aplacando-lhes
a ira ou satisfazendo-lhes as exigências.
Os cultos
tradicionais, caracterizavam-se por implorações aos espíritos dos antepassados
nos quais envolviam ofertas em locais apropriados de “Makeya” ou “Mukuttho”
bebidas fermentadas (Otheka) ou alcoólicas, pano branco denominado ntthaka e
outros produtos.
Para além dos locais
de culto que se localizavam em lares familiares ou junto dos povoados, existiam
locais considerados regionais para onde, em caso de aflição de vária ordem,
afluíam as pessoas.
1.9
O uso dos recursos
O sistema tradicional
de uso da terra era dominantemente familiar e normalmente à família alargada.
As formas de produção eram individuais, cabendo a exploração a homens e
mulheres, individualmente ou em conjunto e recaia sobre tudo nos membros
masculinos a decisão sobre a alocação de produção.
A terra sempre foi
usada para agricultura e era da pertença do Mwene mulupale, enquanto instância
superior de hierarquia dos a-makuwa. Aos chefes dos grupos clânicos ou mamwene,
lhes cabia a função de distribuí-la pelas famílias por si chefiadas. A cada
membro família, era distribuída uma parcela da mata que ainda não estivesse
ocupada para abrir a sua machamba, sobre tudo, `a mulher e seu marido[14]. O uso e posse da terra,
ficavam condicionados `a prestação de serviços das machambas do Rei grande ou a
oferta, ao mesmo, de uma pequena parte da produção familiar.
O acesso a terra
entre os a-makuwa se fazia através da mulher: pela morte de uma mulher, uma
outra do mesmo grupo substituía a falecida e assumia então: o estatuto, o
esposo e as terras. O homem não tinha acesso `a terra, senão por intermédio da
mulher, enquanto sua esposa no quadro do casamento. O acesso da terra para o
homem, dependia não da sua autoridade familiar, mas sim da sua esposa, sendo o
território dela o lugar de desempenho da actividade produtiva masculina.
A terra herdada,
comunalmente, por um grupo familiar tinha várias funções e era governada
segundo o principio de que: os ancestrais, os membros da família e as gerações
futuras deviam viver no mesmo território. Ela era vista como uma fonte de vida
para todos e os que geriam e distribuíam, o Rei grande ou os mamwene, eram
obrigados a ter em consideração as suas necessidades presentes e futuras.
A terra era propriedade
privada dos utentes e em caso de morte do chefe da família, esta passava, por
herança, para o filho mais velho da viúva (se fosse mulher) ou sobrinho mais
velho da irmã (se fosse homem).
As formas de acesso a
terra podiam ainda ser feitas por empréstimos temporários de uma ou várias
parcelas de terra denominadas “Nthala” ou “Mathala” `a famílias de outras
linhagens pelos Chefes dos makholo.
Após várias ofertas
ou sucessivas visitas, havendo consentimento, combinava-se as modalidades de
uso, que podia ser: cedência, em troca de produtos; aluguer, por uma campanha
agrícola; ou venda, por um período de dois ou quatro campanhas. A ausência do
ocupante durante algumas épocas de chuva, fazia prescrever o direito de
exploração revertendo novamente a administração do régulo.
As formas de uso da
terra, eram definidas pelos anciãos após as cerimónias de defesa da terra ou
apenas Othukurya elapo, durante as quais rogavam aos deuses e espíritos que os
livrassem de todo o perigo que pudessem surgir.
O mwene era o
guardião da terra, ou seja, responsável pela sua conservação e repartição entre
os membros do grupo. Ao constituir-se uma nova família, cabia-lhe a
distribuição das terras aos esposos das irmãs ou sobrinhas retirando, por
vezes, aos seus próprios dependentes masculinos o acesso a terra situada no seu
território de origem.
Para agricultura era
usado o sistema trienal de rotação de culturas em que passados os três anos,
deixava-se em pousio e passavam a cultivar outra área, para permitir a
recuperação da fertilidade dos solos. Na preparação da nova machamba, usava-se
sempre a queimada que devia ser autorizada pelo mwene mulupale, assim que se
aproximasse o início de cada sementeira[15]. No mesmo contexto, os
caçadores também faziam queimadas, mas em tempo seco.
As terras junto as
montanhas eram sagradas, o que significava que a sua utilização para
actividades agrícolas era proibida. Estes lugares muitas vezes estavam
reservados a cultos.
A água nunca foi
controlada e nunca se pagou pelo seu uso, pois, foi sempre considerado como um
recurso sagrado[16],
não podendo por isso ser alienado. A abertura dos poços, cabia as mulheres que
se mobilizavam entre si e só em regiões ou anos de seca, os homens se juntavam
para tarefa que não era antecedida de qualquer cerimónia. Também existiam
reservas de água em lagoas, porém, estes locais eram considerados e utilizados
para a realização de cerimónias de adoração em determinados eventos.
Algumas espécies
florestais tais como: jambiri, umbila e moco, não deviam ser cortadas e para outras,
o seu corte era considerado tabú, uma vez que os espíritos não permitiam o seu
abate. Entre os a-makuwa de Nampula, o embondeiro ou mulapa, foi considerado
centro de cultos tradicionais uma vez que para eles, os espíritos passavam
maior parte do seu tempo repousando nestas árvores.
Em relação a fauna,
os costumes a-makuwa também ensinavam a proteger animais como o elefante, o
leão ou mwatto, o leopardo ou havara, a cobra mamba ou nttapo, a jibóia ou
nikhurapela, eram considerados como “itthu sa muluku” ou apenas “Coisas de
Deus”. Para tal, os caçadores eram formados por curandeiros “especiais” que
durante a sua aprendizagem eram instruídos de forma a distinguirem os
diferentes tipos de animais que deviam ou não ser abatidos. Porém, existiam
algumas espécies vegetais e animais para o uso exclusivo durante certos eventos
ou ritos.
Em relação a lenha,
que era o maior combustível que se usava, era retirada da própria machamba da
família ou perto desta e caso escasseasse podia se ir buscar na mata ou cortar
árvores secas mas sem ultrapassar os limites da propriedade familiar.
Não havia controlo
sobre a utilização dos recursos ao nível da comunidade em relação ao
combustível lenhoso e material de construção. Porém em defesa dos interesses da
maioria, não era permitida a exploração desses recursos por pessoas
pertencentes a outros grupos. Em casos especiais de exploração, era necessário
uma autorização do mwene pertencente `as terras e assim evitava-se o conflito
entre os diferentes grupos. Se alguém transgredisse estas regras e fizesse o
uso dos recursos proibidos, adoecia ou acontecia-lhe alguma desgraça que podia
levá-lo a morte
1.10
Gestão de conflitos
Entre os a-makuwa de
Nampula, no passado, o termo conflito era designado “owanawana” e significava
também contradição ou desentendimento entre duas pessoas. Do owanawana ou
conflito, podia levar a mulattu ou milando quando denunciado `as autoridades
tradicionais, os mamwene.
Sabe-se porém que,
entre os a-makuwa de Nampula do passado, a família uterina era constituída
pelos defuntos, pelos vivos e pelos que virão a nascer, o que levava ao
alargamento do campo de conflito. O não cumprimento de deveres para com os
familiares mortos, podia ser motivo de convulsões sociais e que correspondiam
adequadas medidas de mediação para a reposição da normalidade.
A procura da
reconciliação era pelo medo que tinham de um dia sofrerem maldades como
consequência do desentendimento com os seus semelhantes. Para a resolução de
conflitos, usavam-se como métodos a persuasão, a adivinhação, o mwaavi e os
juramentos.
Na persuasão, os
chefes, mwene, desempenhavam um importante papel na persuasão aos seus membros
com vista mudança de comportamento e assunção de novas formas de conduta
social. A adivinhação, que era feita por um adivinho ou curandeiro, servia para
descobrir algo oculto como por exemplo: o roubo, as relações extra-conjugais e
as doenças.
O mwaavi, consistia
no consumo de certas cascas de arvoes específicas, para provar a falsidade ou
culpabilidade num indivíduo, como prova de ter praticado ou não um certo acto.
A outra forma de mwaavi, podia ser com cascas de árvore a ferver e o
especialista fazia perguntas aos dois (ofendido e ofensor) para se acusarem a
volta da fogueira. O transbordar da água em ebulição para um dos lados dos
envolvidos na contenda era sinónimo concludente do envolvimento.
Finalmente, os
juramentos eram feitos sobre a esteira, o soalho, ou então, campas de ente
queridos.
As práticas de
feitiçaria geravam situações de conflito, por isso, entre os a-makuwa de
Nampula, era frequente acusações de feitiçaria. Grande parte de doenças e
calamidades eram atribuídos, pelos adivinhos, a actuação de indivíduos
inconscientemente de princípios maléficos, denominados a-nahavra, portadores de
havara ou leopardo.
Num conflito entre
indivíduos de Clãs diferentes, o mwene do grupo ofendido, ia ao encontro do
mwene do grupo ofensor ou infractor e na presença dos envolvidos e outros
membros da família, tentam resolver o conflito. Quando não se chegava ao
consenso, era levado ao opwaroo[17]
Para resolver os
conflitos sociais comuns como problemas matrimoniais, roubos, recorria-se
primeiro a família, quer dizer, ao mwene do nloko ou ao tio do erukulu. Se a
família não conseguisse resolver, este era transportado ao Mwene mulupale. Para
a solução, este e os seus conselheiros juízes, exigiam um pagamento que devia
em bens, produtos, prestação de serviço, ou mesmo algum dinheiro.
Na herança e sucessão
também recorria-se ao diálogo e ao consenso que eram as principais armas para
evitar o conflito entre filhos e sobrinhos uterinos de um homem que morresse
deixando bens ou riquezas. Embora fosse o sobrinho que tivesse o direito a
suceder o tio, a divisão dos bens devia ser feita por dois, nomeadamente: a
mulher (incluindo seus filhos) e o sobrinho (sucessor), isso em caso do homem
não aceitar viver com a viúva.
1.11 As danças tradicionais
As
danças eram praticadas como forma de reafirmar a identidade cultural e
exteriorizar o estado espírito tanto de satisfação, assim como de
tristeza em diversificadas circunstâncias da sua vida, tais como, nas
festividades, na morte e em momentos de reeligação com o além, entre outros.
Neste sentido, haviam danças praticadas só por homens, as praticadas por homens
e mulheres conjuntamente e outras praticadas só por mulheres.
As principais danças
praticadas só para homens se destacavam: Nsiripwiti e Harapa ou Nakula. Na
dança Nsiripwiti, os homens formavam um
círculo e numa fila, com as latas presas a uma corda à cintura e às vezes nas
pernas. Estas latas eram uns pequenos quadrados de folha unidos pelos vértices
dos quatro ângulos e ficava um espaço no meio, depois de unidas as arestas,
tendo previamente colocado dentro pequenas pedras. Os músicos ou tambores ficavam
no meio tocando nos seus instrumentos chamados ikoma ou malapa.
Um tocava num Ekoma
coberto só dum lado com a pele de uma cobra aquática chamada Ehala[18], outro tocava noutro
semelhante e os outros tocavam num maior também coberto com pele igual. Chamam
à primeira de Nlapa, à segunda Txutxu e os outros Pettheni, que era semelhante
ao Nlapa, mas de menores dimensões. Nestes, tocavam com dois pequenos bambus em
compasso apressado e batendo com os bambus alternadamente; os outros batiam com
os dedos, tendo as mãos estendidas e eram estes que tocavam ao compasso da
dança.
Os homens que formam a
orquestra, ficavam sentados com os tambores entre as pernas e com estas seguras,
à excepção dos que tocam as pequenas malapa, que as assentavam sobre panelas ou
ekhali com a boca para cima, para darem melhor som. Os da roda iam dançando a
compasso, andando à roda ao mesmo tempo que, também a compasso, faziam soar o
chocalhar das latas, dando os necessários movimentos ao corpo e pés.
Esta dança também
tinha lugar em cerimónias de Eyinlo, pelo falecimento de algum habitante da
povoação, que geralmente era acompanhados da inseparavelmente da otheka.
Xakala, era igual ao
Nsiripwiti, com a única diferença, que em lugar das latas usavam tecido feito
da casca de árvore e a que denominado nakotto, cortado às tiras e atados a uma
corda que cercava a cintura.
Na dança Harapa,
sentava-se no chão todos, menos dois que dançavam, com dois pequenos bambus que
estavam sempre batendo sobre dois ou três bambus colocados no chão e unidos,
sendo apertados em vários pontos entre dois pequenos bocados de bambu cravados
no terreno. Saia um ou dois de cada vez para dançarem, seguindo o compasso das
pancadas dos bambus e todos cantavam. A certa altura, o que estava dançando,
voltava para o seu lugar e ia outro, continuando assim sucessivamente.
Quando morria um
homem tido entre eles como pessoa importante, faziam esta dança dando a família
do falecido a otheka e, não tendo esta, uma ou duas galinhas para todos
comerem.
Tal como harapa, na
dança nakula, também a pratica era a mesma mas esta tinha a particularidade que
para além de bambus, também eram usadas três ikoma e era feita em qualquer
ocasião.
Das principais danças
praticadas por mulheres destacavam-se as dos ritos de iniciação feminino, nomeadamente,
Kaarare e Makiyekiye. A dança kaarare era praticada nos ritos femininos e que
os homens não podiam assistir, que era feita no cercado da palhota denominado
Opwaro. Se caísse algum homem na asneira de espreitar era corrido a pedrada. Nesta
dança, não havia ikoma, as mulheres cantavam em coro e andavam à roda, mas de
costado e então, umas atrás das outras, faziam uns movimentos interessantes e
indecorosos.
Outra dança típica dos ritos de iniciação feminina era
Makiyekiye que visava quebrar certos tabus que existiam no seio da sociedade
antiga. No bailado ora em alusão, as bailarinas, com as mãos assentadas sobre o
chão, iam mostrando, com maior nível de sensualidade possível, os seus talentos
com movimentos ligeiros levando assim o público ao delírio. A dança era
conhecida por englobar a particularidade teatral, onde, a cada instante que
passasse, enquanto decorria a bailata, as dançarinas iam encenando situações
quotidianas cujos actores principais eram os casais. Para dançar Makiyekiye era
preciso que a bailarina se soltasse e se deixasse levar pelos sons dos
batuques”.
As danças praticadas
por homens e mulheres conjuntamente, destacavam as praticadas em rituais de
tratamento de doenças, entre outros momentos. Entre elas se destacavam:
Naquirela e a de cerimónia de Eyotto.
Naquirela era uma
dança com características típicas de harapa dos homens. Nesta, as mulheres
ficavam todas sentadas no chão e quando o homem que estivesse a dançar dissesse
o nome duma das presentes, esta saia para a frente e dançava, mas não se
chegava ao homem.
Eyotto era
considerada a doença do diabo, caracterizada por fortes dores de cabeça. A
dança começava ao anoitecer e, embora houvesse homens presentes, estes só
tomavam parte as mulheres e o cirurgião. O doente ficava deitado numa tosca
cama ou no chão dentro duma palhota; fora ficava muitas mulheres na dança, em
que 3 ou 4 homens tocam ekoma e uma mulher de cada vez dançava ao compasso da
cantiga das restantes.
Geralmente a mulher a
dançar limita-se a avançar e recuar muito pouco, os pés, alternadamente e na
altura competente, começavam a tremer ou fazer tremer as nádegas com uma
velocidade espantosa; outras vezes, faziam rodar o traseiro, conservando o
corpo firme até à cintura. Iam para dentro da palhota onde estava o doente,
cinco mulheres com a ekhoma colocada entre o braço esquerdo e corpo, batendo na
pele com a mão direita e cantando, fazendo um barulho infernal, como forma de
expulsar o demónio.
1.12 A
doença e os ritos de cura
Os a-makuwa viviam a doença como uma pausa/alteração
do ritmo normal de vida e, antes de mais nada, se perguntava o porquê dessa
quebra. A doença era vivida numa atmosfera de marginalidade e à margem, porque
colocava o indivíduo fora da vida em sociedade. O processo da doença e seus
cuidados era vivido em uma atmosfera simbólica que devia ser ritualizada de
formas e em momentos apropriados. Os ritos de cura eram necessários para
restaurar o ritmo vital e a harmonia ameaçados pela doença.
A doença não era um problema físico que abrangia
somente a parte superficial do homem, mas sim, toda a pessoa em todo o seu ser,
sua individualidade e sua relação com os outros. Devido a esta visão, a doença
não era vista como algo pessoal, mas algo que afectava toda a sociedade, uma
vez que alguns dos relacionamentos que a compunham eram comprometidos pela
ausência de um dos seus membros.
Para restabelecer sua saúde, o paciente usava as
entidades fundamentais de seu mundo: Deus, os antepassados, sua família, a
sociedade. Ia fazer uso dos elementos profanos (alimentação e higiene), dos
elementos místicos (ritos, proibições, tradições e receitas) e comunidade (a
família e a sociedade). Com o apoio destes, o doente não ia se sentir sozinho e abandonado no seu sofrimento.
A desgraça, sinónimo de doença para o makuwa, era vista
como algo que caia sobre ele impetuosamente, como uma agressão; vinha da
floresta, onde tudo é obscuro, do reino dos que praticam o mal, do espaço das
trevas. A doença se escondia como os animais selvagens na mata e ficava à
espera de alguém para atacar.
A doença tinha sempre uma causa, que devia ser
descoberta para poder ser tratada e o procedimento inicial era pesquisar sobre
os factores em duas direcções: (i) O doente (alimentação errada, falta de
higiene, o não cumprimento das suas funções, violação das leis e regulamentos);
e (ii) As outras pessoas (intervenção mística e acções punitivas dos
antepassados, acção maligna por parte de um agente maldoso, com poderes
extraordinários, inveja, ciúmes e vingança de outros indivíduos).
Por esta razão, todas as doenças eram vistas como o
resultado de uma culpa. Era necessário identificar esta culpa para ser capaz de
tratar a doença, mas o paciente por si só não era capaz de descobrir esta causa
oculta. Era importante que durante todo este processo, o paciente não perdesse
a vontade de enfrentar e resolver a situação com calma, como se fosse um teste
para superar.
Para as doenças que se originavam de causas conhecidas,
não era necessário consultar os especialistas, porque o próprio paciente era
capaz de identificar as causas e, no máximo, pedia ajuda ao curandeiro ou
mukulukhana. Porem, para além destas, haviam também doenças que se originavam
de causas desconhecidas. Neste caso era necessário recorrer ao especialista, ao
investigador, o qual colocava o paciente em contacto com o mundo oculto.
Existiam vários especialistas aos quais deviam se consultar
no caso de doenças, dependendo do tipo, da origem e da gravidade de uma
determinada doença. Os Especialistas eram pessoas com muito conhecimento sobre
a natureza, animais e coisas. Além de desfrutar de autoridades, porque a
comunidade as consentia, possuíam uma ciência realmente conquistada com um
esforço próprio. Geralmente levam uma vida ligeiramente ascética[19]. Os
especialistas eram pessoas com diferentes funções, nomeadamente: Nahako,
Mukulukhano, Namuku e Mukhwiri.
Nahako, era indivíduo encarregado para descobrir o que
está oculto questionando o paciente, com ajuda dos antepassados. Não era pessoa
doente que ia até ele, mas seu tio materno ou outras pessoas da família mais
próximas, que explicavam os sintomas ao nahako.
Mukhulukano, que recebia o diagnóstico feito pelo
Nahako, escolhia o tipo adequado de medicamentos; preparava-os sob a forma de
comprimido, xarope ou unguento. Além da medicina, estabelecia certas exigências
e proibições que o paciente devia observar. Podia acontecer que a mesma pessoa
desempenhava ambas as funções de Nahako e Mukhulukano.
Namuku era a pessoa que oferecia sacrifícios
tradicionais de makeya em favor do doente e toda a sequência de rituais
necessários indicados pelo Nahako.
Mukhwiri: uma pessoa com poderes sobrenaturais que podia
causar males (em Português traduzida como “feiticeiro”, aquele que lança
maldições). Este era extremamente temido devido aos poderes extraordinários que
possuía e que podia ser usado contra indivíduos e até mesmo contra toda a
sociedade. Normalmente, aqueles acusados de serem feiticeiros ou a-khwiri eram
pessoas anciãs (especialmente mulheres) que viviam sozinhas, à margem da vida
social, mas também podiam ser pessoas comuns. Ser acusado de feitiçaria era
muito grave; incorria em represálias para os casos mais leves, multas, prisão e
até mesmo em expulsão da comunidade.
O processo de tratamento era composto pela descoberta
da causa, uso dos medicamentos indicados, banhos purificadores, as refeições
familiares, sacrifícios tradicionais. Os medicamentos, em nenhum caso, podiam
ser conservados se não se fizesse uso completo. Em caso de sobra de alguma coisa,
essa devia ser conservada. O mesmo especialista não preparava com antecedência
nenhum medicamento, mas sim no momento.
2.13
A morte
A morte para
os a-makuwa, era uma mudança de estado, que supunha ao mesmo tempo, ruptura e
continuidade. O que subsistia do antigo estado ao novo era, fundamentalmente a
identidade essencial da pessoa, aos laços familiares (quem morria continuava a
pertencer a sua própria família) e sociais(o falecido continuava a ser membro
da sociedade a que pertencia).
A vida do
além considerava-se, em parte, semelhante à vida visível, existindo uma séria
de relações entre os defuntos e os seres vivos. Os defuntos precisavam de
comida, pelo que os vivos do mundo visível deviam oferecer-lhes sacrifícios, os
mesmos tinham sentimento e reagiam perante os acontecimentos da vida dos
homens, eram respeitados e temidos segundo a sua importância social e o
seu procedimento moral.
Para os a-makuwa,
uma boa morte era a que chegava conforme o previsto pela tradição, tendo em
conta vários factores: (i) Tempo (idade avançada da morte); (ii) descendência
(deixando muitos filhos); (iii) lugar (morrer na própria aldeia e na própria
casa); e (iv) algumas modalidades (morrer sem grande sofrimento, em presença
dos familiares mais chegados, não deixando questões pendentes de solução e sem
paz com a família e com a sociedade).
Ao
contrário, uma morte má era a que sucedia de improviso (com pouca idade) ou de
forma violente (assassínio, homicídio ou acidente). Também era má morte de uma
pessoa estéril, porque não deixava descendência, ou dificuldades económicas
(dívidas por liquidar).
A morte, na
sociedade makuwa, era considerada como a passagem da pessoa a outro estado de
vida, qualitativa e existencialmente diferente do que tinha no momento da
morte, esta passagem era vivida ritualmente através dos ritos fúnebres. Nestes
ritos distinguiam –se três fases normais de qualquer rito de passagem:
separação do mundo anterior, período de margem e de agregação definitiva ao
novo estado.
Quando já se
perdia toda esperança de vida uma pessoa doente, porque se via a aproximar a
agonia, colocava-se o corpo do agonizante sobre as pernas do familiar mais
íntimo presente que sentado, numa esteira, recebia o corpo do doente. A cabeça
deste, ficava apoiada no peito do familiar, que o assistia nestes últimos
momentos com esse gesto acolhedor.
Durante
agonia, invocavam-se os antepassados, procedia-se a cerimónia da reconciliação
e o moribundo manifestava os seus últimos desejos dai afirmar-se que “Se a sua
mãe estiver doente, deves estar por perto para que ela te possa dar últimos
conselhos que ficarás a seguir[20]”.
Chegado o
momento da morte, quando o moribundo expirava, então fechavam-lhe os olhos e
colocavam-no deitado na esteira, coberto com um pano. Imediatamente as mulheres
presentes gritavam e choravam de dor e os homens presentes não deviam gritar
nem chorar, mas sim podiam somente soluçar.
A
comunicação da morte de um membro da família devia ser feita imediatamente a
todos os familiares que vivessem na mesma região ou não. Aos que viviam longe
enviavam-se mensageiros (que deviam ser dois), para que pudessem assistir ao
enterro e eles procuravam cumprir essa missão. Se a distância entre as suas
casas e a comunidade do morto não ultrapassasse, para ida e volta, um dia de
caminho o enterro realizava-se normalmente, na ausência destes (dentro de 24
horas). A triste notícia era também comunicada ao chefe da aldeia e outras
pessoas importantes.
Na
preparação do morto desde a lavagem, vestida até a sua sepultura, o tio materno
mais velho do falecido ou, na falta deste, o que o segue por ordem de
importância na família assumia a responsabilidade de organizar a cerimónia para
a realização dos ritos fúnebres, distribuindo os encargos entre os familiares e
pessoas mais chegados. Um grupo encarregava-se de tratar o cadáver com várias
abluções e unções e de envolvê-lo num pano grande e numa esteira. Um segundo
grupo, preparava a cova denominada mahiye, no lugar indicado pelo familiar. O
terceiro grupo (constituído na sua maioria por mulheres), preparavam a comida
para todos os que participariam no funeral e a água para abluções.
A sepultura
do cadáver fazia-se normalmente, num cemitério escolhido pelo tio materno mais
velho do defunto, afastados dos caminhos entre as árvores do bosque (Onde
estivessem enterrados os membros da mesma família ou mesmo Nihimo. Quando se
tratasse do chefe da aldeia ou do régulo, costumava escolher-se um lugar
especial perto da sua casa. A profundidade do mahiye ou cova, dependia da idade
do falecido, e a forma dependia do gosto dos familiares.
Para o
funeral era muito raro que o corpo passasse 24 horas desde a morte até a
sepultura. O cadáver devidamente preparado com abluções e unções, feitas pelos
familiares mais próximo e outros anciãos da comunidade, era envolvido em panos
e colocado no chão, encima da esteira que o defunto usava em vida para dormir.
Junto do cadáver sentado no chão, vestidas de roupa velha, sem adornos e
despenteados, faziam vela as mulheres da família e os amigos.
Os homens,
familiares do defunto reuniam-se noutro lugar à parte, sempre perto do lugar
onde jazia o cadáver, geralmente no pátio da casa, enquanto esperavam que o
tempo passasse, compartilhavam a dor e tristeza pela morte do familiar e amigos
e entoavam cânticos em forma salmodica em perguntas e comentários dirigidos ao
defunto sobre a sua vida. Neste momento entrava em acção o especialista em
diminuir a tensão psicológica do rito, este ridicularizava a vida do defunto e
a de outros falecidos, e inclusivamente, a vida de algumas pessoas vivas
relacionados com o defunto.
Os
familiares do defunto e os habitantes da comunidade deixavam os seus trabalhos
e ocupações habituais para poderem participar no velório e dos outros ritos
fúnebres, nos quais eram excluídas destes ritos pessoas não iniciadas. Os
familiares mais chegados cortavam o cabelo, rapavam mesmo a cabeça vestiam-se
com roupas velhas, como sinal de luto.
Para o enterro,
quando os encarregados de abrir a sepultura acabavam o trabalho, avisavam os
familiares que ficavam em casa a velar o morto. Então, o chefe da família ou o
familiar mais íntimo do defunto enviava dois homens, escolhidos entre os
familiares, para verificar o estado da sepultura e o cumprimento dos costumes
tradicionais. Estes emissários comunicavam em que parte da cova se devia fazer
o nicho secundário, ou ao lado no interior da cova ou no centro da mesma, no
qual se depositava o cadáver.
Ao regressar
no lugar do velório os enviados ao cemitério, organizava-se o cortejo fúnebre.
Os homens iam à frente levando o cadáver envolvido numa esteira atrás a uma
certa distância, seguiam as mulheres. Todos os participantes no cortejo fúnebre
acompanhavam o cadáver até ao cemitério, conservando profundo silêncio durante
o caminho.
Chegado ao
cemitério eram feitas todas cerimónias de enterro, acompanhado de alguns
objectos do seu uso pessoal para indicar que abandonou definitivamente esta
vida. O nicho onde se depunha o cadáver, no interior da cova, era tapado com
paus e folhas, ficando o cadáver isolado do contacto directo com a terra que se
deitava para tapar a cova. No final, nada devia ficar em volta da sepultura,
devia ficar limpo pois no dia seguinte, de madrugada seriam enviados emissários
para controlar o estado da sepultura e ver se alguém se teria aproximado,
animal ou pessoa, para a danificar. Finalmente, todos os presentes iriam
procurar água num rio local para tomar banho e se lavarem das impurezas.
1.14
Cenários actuais
Hoje, entre os a-makuwa
da Makuwana, notam-se mudanças sociais, políticas e económicas que parecem ter
conferido um carácter a estrutura social. Muitos dos traços culturais locais, sofreram
muitas interferências e muitos dos seus contornos sofreram mudanças. Tais
mudanças, são mais acentuadas na área da cidade, pois desde a colonização até
aos nossos dias, tem sido palco de cruzamento de gentes e culturas. Os novos
elementos da cultura, contribuíram mais para a fragilização da instituição
linhagem, marginalizada a favor das novas estruturas administrativas que foram
criadas.
O parentesco passou a
cumprir uma função de absorção e readaptação, recriando novas formas de
composição familiar nas quais predominam as famílias nucleares no sentido do
desenvolvimento de um habitat monofamiliar. A figura de tio materno, por
exemplo, como guardião dos membros da linhagem, distribuidor das terras deixa
de ter sentido. Assinalam-se como principais razões: a colonização, a acção
missionária, a política de assimilação do estado colonial, a independência do
País e a economia monetária.
No que diz respeito
ao casamento e `a sua evolução, os dados em forma de periodização, ilustram as
diferentes transformações operadas no sistema matrimonial. A reprodução dos
grupos domésticos na Makuwana, era garantida pela progenitura das mulheres das
unidades familiares e as células reprodutivas agrícolas constituíam os polos em
direcção aos quais os homens se deslocavam. O casamento rapto foi, durante
séculos, uma prática corrente de incorporação de energia e reprodutores para as
unidades agrícolas matrilineares.
A crescente
integração das unidades domésticas e das linhagens no sistema de trocas
internacionais (a partir de 1860 e até 1910) teve um impacto sobre a
organização linhageira matrilinear e sobre a residência uxorilocal da unidade
conjugal dos povos da Makuwana. O impacto manifestou-se sobretudo no controlo
cada vez mais rígido dos circuitos matrimoniais, das alianças entre linhagens,
da integração dos jovens maridos na célula produtiva da esposa, os rapazes
passaram a prestar serviços regulares nos campos das futuras sogras.
Para o período entre
1910 a 1930, os principais aspectos a divisão do território da Makuwana em
unidades políticas submetidas ao aparelho militar e administrativo local, que
veio reforçar o sistema social linhageiro. O controlo das áreas de cultivo da
linhagem acentuou-se, aumentou o controlo dos dependentes por parte dos decanos
das linhagens. Aos noivos era solicitada uma maior prestação dos serviços
pré-nupciais. O grupo sororal[21] saiu mais reforçado,
intensificaram-se as contradições e conflitos entre maridos e o grupo
sogra/irmão da esposa, e entre os tios e sobrinhos. A instabilidade no
casamento acentuou-se por iniciativa da mulher e do seu grupo uterino.
A partir de 1930, com
o surgimento de culturas obrigatórias, impõem-se áreas precisas de cultivo para
os homens, mulheres e jovens solteiros no quadro do núcleo conjugal - foi mesmo
regulamentada a produção dos “lares” dispersos do polígamo - favoreceu o
desenvolvimento da instituição familiar nuclear como unidade de produção,
consumo e depositária de bens próprios, o que estava em conflito com a
estrutura do poder no seio da linhagem. Aos rapazes solteiros exigiu-se ao
cultivo das mesmas na área de algodão que aos homens casados, aconselhando-se a
que procurassem esposas para os ajudarem, tal provocou o abaixamento da idade
do casamento, tanto de rapazes como de raparigas.
Para resolver, em
parte pelo menos, os problemas surgidos no processo de exploração do
campesinato foi decidida (pelos colonos nos anos 1940), a recuperação das
estruturas politicas supra-linhageiras, chefes tradicionais vs régulos, para
promover o enquadramento das unidades familiares de produção no seio das
linhagens e destas no regulado.
As grandes
transformações no tocante ao casamento, surgiram a partir de 1960, com o
desenvolvimento da cultura familiar do cajueiro e da comercialização da
castanha. As transformações económicas e sociais tiveram uma grande influência
na organização linhageira e familiar da Makuwana. Nas zonas onde o cajueiro se
tornou uma cultura de rendimento de grande valor, a propriedade e a herança das
árvores passaram a ter importância sócio-económica favorável.
A propriedade dos
cajueiros circulava entre os homens através do desenvolvimento de formas de
residência virilocal[22] e do casamento sororal.
As parcelas onde estavam implantados cajueiros passaram a ser controladas pelos
proprietários das árvores, o que deu uma nova posição ao homem adulto no seio
das unidades domésticas e das linhagens das esposas. A família conjugal passou
a ser mais individualizada. A própria residência começou a afastar-se do
quintal da sogra e manifesta-se a tendência para a tal virilocalidade.
O desenvolvimento do
plantio do cajueiro e da comercialização da castanha de caju, a partir da
década de 1960, fez sentir o seu impacto na estrutura linhageira. As árvores de
cajueiro que pertenciam aos homens que plantavam, segundo regras costumeiras,
sendo herdadas pelos filhos varões (em lugar de sobrinho), representaram uma
distorção `a regra tradicional de transmissão de bens dos tios aos sobrinhos
(com destaque aos filhos varões das irmãs).
A terra continuava a
ser património da linhagem, mas o proprietário dos cajueiros passava não só a
ter acesso prioritário a tal Nthala ou parcela, mas também a cedê-la por
empréstimo, sendo ainda reconhecida a possibilidade dos possuidores as poderem
vender.
O modelo económico
colectivista do campo, assumido no período posterior a independência de
Moçambique (1975 a 1980), acelerou o processo de desagregação alargada em
famílias nucleares. Surge a construção de aldeias comunais, habitat mais
concentrado, o que influenciou diversos parâmetros da organização
sócio-económica camponesa da Makuwana.
A nova organização
comunal atribuía os talhões ao chefe do agregado familiar nuclear, a separação
das diferentes mulheres das famílias poligâmicas pelos diferentes bairros da
aldeia, a separação dos filhos casados dos seus ascendentes pela atribuição do
talhão em zonas afastadas dos talhões dos pais. Esta subdivisão dos agregados
familiares alargados, levou (em alguns casos) ao aparecimento na aldeia de
unidades residenciais isoladas do ponto de vista familiar e social, incapazes
de produzir integralmente as suas subsistências.
Por outro,
assistiu-se uma luta entre as diferentes forças sociais, umas no sentido de
preservar os interesses que lhes eram garantidos pela tradição, e outras
tentando alargar os novos direitos alcançados pelo novo modelo social e
económico. Entre os que defendiam o novo modelo estavam os homens mais jovens,
nomeadamente os homens casados que vêm alargar-se ao seu estatuto social, e as
mulheres dos polígamos, que vêm criado um espaço de autonomia face ao marido e
as esposas mais velhas deste, mas também as mulheres em geral, assumindo muitas
vezes o papel de chefe da família nuclear.
O novo habitat
concentrado pretendia destruir a base de união, constituída pelos grupos
residenciais, as linhagens, os grupos de produção, os grupos de idade, entre
outros, substituindo-os pela comunidade de residência, de produção,
distribuição e reprodução colectiva.
[1]Monte Namuli, fica
situado na Província da Zambézia, Distrito de Gurue, localidade de Mucunha há
30 km da sede do Distrito. Namuli, é dado como epicentro do princípio da vida
humana assim como espiritual dos a-makuwa. É conhecido, literalmente, como
local onde repousam eternamente os espíritos dos ancestrais (Makholo). Dos
povos saídos das covas dos montes Namuli, teriam vivido de princípio num grande
planalto do monte. Com o aumento do número de famílias, houve luta entre eles e
então, deu-se o êxodo do monte sagrado tendo em seguida os povos se dispersado.
Parte deles emigrou para a zona de Nampula, através do canal do rio Malema
(onde surgiram os a-makuwa do interior) e outros pelo canal do Licungo foi para
alta Zambézia (fez surgir os a-makuwa lomwe).
[2] António Rita Ferreira no trabalho sobre
fixação portuguesa e história pré-colonial de Moçambique, 1982
[3] Matrilinear, significa que para tudo o que
são direitos, deveres e herança, segue-se a linha da família da mãe.
[4]Erukulu faz referência ao ventre
[5] Na sociedade makuwa, para qualquer
individuo as mulheres de sua geração são suas irmãs, as da geração seguinte e
anterior a sua são suas mães e assim alternadamente. Por isso, o individuo tem
uma multidão de mães ou irmãs grandes e pequenas.
[6]Nloko é o termo que os etnólogos
adoptaram para designar a matrilinhagem. Pode ser designado como Povo, tribo ou
nação. Conjunto de pessoas que formam uma nação.
[7]Depois de a rapariga
reportar aos pais sobre a sua primeira menstruação é submetida a um
interrogatório para se descobrir se se trata de uma menstruação normal ou perda
da virgindade.
[8] Coetâneas referem-se a indivíduos da
mesma idade
[9] Outras formas de proporcionar prazer,
consistiam em escarificações denominadas Ihuku nas costas, barriga e partes
internas das coxas da mulher que completava-se com o uso de cinto de missangas
de grande importância erótica
[10] Nome a que se denomina a mulher na
fase de menstruação
[11] Em algumas situações se os conselhos
forem dados por homens podem reduzir as possibilidades deste reagir
criticamente perante o modelo de mulher que se apresentarem.
[12] Esta era preferencialmente uma neta
mais velha.
[13] Deus era considerado bom de mais e incapaz
de fazer o mal aos homens.
[14] Num mesmo lar, a terra pertence a
mulher e não ao homem nos primeiros dias de casamento e só com o tempo (depois
do primeiro filho), este pode levar a sua esposa e viver nas terras da sua
família.
[15] Havia crença de que se não fizesse
queimada a machamba não teria muita produção.
[16] Não era permitida qualquer tentativa
de impedimento de acesso a água, sobre tudo durante a estação seca.
[17]Opwaroo, significa alpendre que era o
local ou autoridade de resolução de conflitos.
[18] 5 Ehala é o varano ou iguano.
[19] Vida ascética consiste no esforço metódico e continuado, com a ajuda da graça, para favorecer o
pleno desenvolvimento da vida espiritual, aplicando meios e superando obstáculos. Aqui actuam e
organizam-se os grandes meios e práticas da vida espiritual: oração, penitência, retiro, exame de consciência, direcção espiritual, sacramentos.
[20] Trecho da canção popular makuwa do
músico e professor Warila
[21] Sororato, Sistema primitivo pelo qual o
homem pode tomar para si a irmã mais nova para substituir a esposa falecida. Em
algumas tribos primitivas a cunhada participa intensamente da vida conjugal do
casal.
[22] Virilocal, inerente a virilocalidade, norma ou costume institucionalizado de o
casal, após o casamento, viver na localidade (casa, aldeia, acampamento, etc.)
do homem e não da mulher.
- CASAS, Maria Isabel etall. Perfil do Género na Província de Nampula – Relatório final. Embaixada do Reino dos Países Baixos. Nampula. 1998.
- GASPARI, Timi. O povo Macua. Disponível em: mz.ilteatrofabene.it/il-territorio/i-macua/. Acesso: 29/05/2017.
- IVALA, Adelino Zacarias. História das Transformações Sócio-políticas no Alto Lúrio; o Caso do Regulado de Umpuhua, c. 1850-1933: contribuição para a pesquisa da história local. Trabalho de diploma para Licenciatura em Ensino de História. Supervisor: dr. Eduardo Medeiros. Instituto Superior Pedagógico. Maputo. 1993.
- MUNGOI, Cláudio I. et all. Diagnóstico analítico do Distrito de Nampula. Segundo Draft. Centro de Desenvolvimento Sustentável para as Zonas Urbanas. Nampula. 1998.
- PIMENTEL, Francisco A. Lobo. Relatório Sobre os Usos e Costumes no Posto Administrativo de Chinga (Distrito de Moçambique, 1927): Manuscrito existente no Arquivo Histórico de Moçambique. Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. Actualização de fixação do texto: ex- Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999. Lisboa. 2009.
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