O Povo da Macuana

Traços genéricos do da Macuana antes da presença estrangeira
Segundo a tradição, todos Macuas ou A-makuwa, reclamam uma origem mítica comum: os montes Namuli[1]. Tudo indica ter sido este, o último foco de dispersão para os locais que foram ocupando, sucessivamente, até aos nossos dias. Segundo alguns relatos da tradição oral, o nome Makuwa, tem origem na palavra nikhuwa (plural makhuwa), que significa grande extensão de terra, sertão, selva, etc.
Por outro lado, alguns autores destacados como FERREIRA[2] defendem a tese de que o “ma” na palavra “makuwa” não é um prefixo, mas faz parte integrante do nome. A sua ortografia aparece sob as formas mais díspares. Tanto makuwa, como Makuwana são termos pejorativos, empregados pelos habitantes do litoral, “A-maka”, para designarem os do interior.
Há registos segundo os quais antigamente que makuwa significava o termo “o que fabricava ferro” sendo aplicada pelos caçadores-recolectores locais, ainda na Idade da Pedra, aos primeiros imigrantes bantus.
Comuns entre os A-makuwa, são a sua organização sócio-familiar (Mahimo) e a língua que falam (Emakhuwa). Tem sido frequente, considerar-se haver diferenciação deste povo, porém, tais diferenças resultavam da sua dispersão por um vasto território, do isolamento de certos agregados e do domínio de determinadas linhagens, entre outros factores.
Os regionalismos que caracterizavam este povo, fixados em diferentes espaços geográficos, levaram alguns estudiosos a argumentar a existência de grupos independentes uns dos outros. Na verdade, tais argumentos podem ser fictícios, uma vez que as parentelas clânicas presentes em qualquer grupo do povo makuwa, têm continuidades noutros grupos.
As variações dialectais de Emakhuwa, muitas vezes usadas como indicativo da diferenciação de grupos, não passam de realidades forjadas por factores como: tempo, contactos com outras realidades sócio-culturais ou isolamento geográfico em relação aos grupos que se desagregaram. Por outro lado, verifica-se a existência de uma mútua inteligibilidade entre todas as variações de Emakhuwa.
Antes da presença estrangeira, o povo makuwa ocupava o território que compreendia entre os rios Zambeze, (a sul) e Messalo (a norte), o Oceano Índico (a este) e parte da actual fronteira com o Malawi (a oeste). No vasto território que ocupava, este povo estava constituído de cinco grupos, nomeadamente: A-makuwani (no planalto central entre os rios Ligonha e Lúrio); A-lomwe (entre os rios Ligonha, a norte e Zambeze, a sul); A-xirima (sul do Lago Niassa até perto do sudoeste com o Malawi); A-meetto (entre os rios Lúrio a sul e Messalo a sul); e A-nahara (ao longo do litoral)
O povo da Macuana ou simplesmente A-makhuwani, era povo que vivia no planalto central da actual Província de Nampula. Esta região localizava entre os rios Ligonha (a sul) e Lúrio (a norte) e compreendia a todos habitantes dos actuais distritos de Ribáuè, Mecuburi, Muecate, Nampula, Murrupula, Mogovolas, Meconta, Nacaroa, Erati e Monapo, baseados na actual divisão administrativa.
1.1 Formas de organização
O sistema de parentesco dos a-makuwani era definido por via uterina, compreendendo todos os indivíduos de ambos os sexos, adultos e crianças que descendessem por aquela via de uma mesma antepassada de que ninguém tinha memória, pois a sua existência remontava aos tempos de origem.
Uma implicação importante deste sistema, era que as mulheres e os seus filhos permaneciam “propriedade” da sua própria família de origem, e podiam voltar para ela se o casamento fracassasse.
Os povos da Macuana, antes da presença estrangeira eram constituídos por unidades familiares compostas por grupos familiares matrilineares[3], uxorilocal e exogâmicos. As linhagens e segmentos de clãs, eram a base da estrutura social.
Matrilinear porque o sistema de descendência na família A-makuwa seguia a linha materna e os filhos herdavam os bens e sua posição social, através da linha materna de sua família.
Nestes, as crianças pertenciam à linha materna da família da mãe e o pai biológico, tinha menos influência sobre seus filhos, já que ele não fazia parte da família. Sendo assim, o tio materno é que exercia maior influência sobre as crianças, sobre tudo na tomada de decisões importantes sobre suas vidas.
Mito da origem da matrilinhagem makuwa
Reza lenda que, um dia nas entranhas do monte Namuli, Deus fez germinar homens a partir das raízes de um embondeiro “árvore dos mil anos”. Reunidos em pequenos grupos e seguidos por animais da floresta, os primeiros a-makuwa conseguiram sair do tal reino de trevas e chegar a luz. Chegados a superfície, cada grupo recebeu um nome capaz de unir os seus membros e torná-los irmãos uns dos outros. Foi assim que se formaram os diferentes Clãs ou Mahimo que ocupam hoje o território a-makuwa.
Um dia apareceu a morte e, com ela, a necessidade do casamento para gerar filhos que pudessem ocupar o lugar dos mortos de cada grupo. A pergunta que se fazia era a seguinte: Como tal poderia acontecer se todos eram irmãos?
Os anciãos reuniram-se e tomaram uma decisão sobre a nova forma de vida a adoptar. A partir daquele dia decidiram o seguinte: Um homem quando se casasse, passaria a viver com a família da esposa. Para tal, não deveria ter nenhuma autoridade sobre os filhos que fosse a gerar senão sobre os filhos que forem gerados pela sua irmã. Os filhos passariam a ser da responsabilidade da mulher e sob a autoridade do seu irmão materno, o tio das crianças. Este mito das origens, ajuda a explicar a estrutura social matrilinear dos makuwas.
De recordar que matrilinear não é sinónimo de matriarcal (que é um sistema no qual o comando é das mulheres). Não significava que na família quem comandava era a mulher mas sim um homem da linhagem materna (o irmão mais velho da esposa). A sua intervenção consistia em tomar decisões importantes para a família (o tipo de cultivo, quando fazer os ritos de iniciação das crianças, resolver controvérsias, etc.).
Eram Uxorilocais porque uma vez casados, o casal devia fixar residência na família onde morava a mulher e não do homem. Neste, pressupunha-se que todos os bens e propriedades, terras e habitação de propriedade do casal eram bens da mulher, ou ainda da família da mulher. Não era o homem a fornecer os meios de subsistência da família, mas a família da mulher, embora fosse ele a tomar as decisões dentro da casa e sobre o destino dos bens a património da casa.
Eram exógamos, porque não deviam se casar com membros de sua própria linhagem (que é o conjunto de famílias descendentes de uma ancestral comum e, portanto, portadores do mesmo Nihimo). Entre os a-makuwa, considerava-se tabu, uma mulher casar-se com um homem do mesmo Nihimo, independentemente de estar a viver na mesma área geográfica ou não.
O Nihimo ou Clã era uma unidade espiritual (permanente e eterna) que unia todos os indivíduos descendentes de uma mesma mãe/avo e com capacidade de associar os antepassados mortos e os descendentes vivos na mesma comunidade. Os clãs eram demograficamente vastos, que contavam com várias centenas de milhares de indivíduos que, em virtude de uma relação genealógica presumível e indemonstrável, se consideravam como descendentes em linha directa de um mesmo ancestral.
Os principais clãs e respectivos ancestrais makuwas se destacavam: (i) A-Mulima atribuído a Nyika-Munu; (ii) A-Lapone, atribuído a Mwatthukwa-Munu; (iii) A-Celece, atribuído a Mwahave-Munu; (iv) Ana-Mpamela, atribuído a Morla-Muno. Deste clã, nasceram, posteriormente:  A-Nela e A-Yace; (v) A-Marrevone, atribuído a Mwatttope-Munu; (vi) A-Male, atribuído a Pahuwa-Munu; e (vii) A-Mirasi, atribuído a Momola-Muno.
Os a-makuwa estavam organizados por linhagens, ou seja, várias famílias com uma ancestral em comum. Assim, as irmãs com seus respectivos maridos viviam não muito longe da mãe das mesmas (e seu marido), não muito longe das irmãs da mãe, da sua avó materna e das irmãs da avó, mas também das primas do lado materno. Ou seja, casais onde as mulheres tinham laços familiares pelo lado materno.
Num conjunto de várias irmãs e primas (denominadas irmãs) ou sobrinhas e tias (denominadas mães) havia um irmão para ser responsável. Todos os homens da família responsáveis por suas irmãs, formavam o grupo de idosos da família na qual o mais velho deles era o chefe da linhagem.
Os chefes das famílias mais predominantes e donas da terra, pelo facto do respectivo fundador ter sido o pioneiro da emigração, era reconhecido como o chefe de todo o território. Na condução dos destinos dessa comunidade, tal chefe era designado “Mwene Mulupale ou mutokwene” que significa “Chefe grande”. De entre vários papéis, este devia: administrar a justiça (presidindo os processos e decidindo punições); tomar decisões económicas e sociais que afectavam toda a comunidade (por exemplo, se tinham que mudar a área do cultivo); e presidir os ritos e cerimónias da comunidade. Nestas decisões, era auxiliado para além da piyamwene, pelos líderes das sub-divisões do seu território (outros A-mamwene, Mapili, A-tokwene, A-nakhulu ou Idosos, A-kulukhana, entre outros).
Quando um líder morria, o mais provável candidato para sucedê-lo era seu sobrinho, o filho de sua irmã mais velha, obedecendo a regra de funções de transmissão de bens ao longo da linha materna. O novo chefe devia ser eleito pelo Conselho dos Chefes da linhagem, depois de terem ouvido o parecer da piyamwene, dos conselheiros, dos anciãos e das pessoas importantes.
Nos ritos de investidura do novo chefe, ele devia passar por uma triagem minuciosa e impiedosa feita por um conselho. Neste fórum, devia-se trazer a tona todos os seus defeitos, fraquezas, erros e comportamentos incorrectos que tivesse no passado. Eles o criticavam fortemente por tudo, o insultavam e o humilhavam, a fim de incentivá-lo a corrigir-se e melhorar. A prática do insulto e humilhação para fins de correcção era bastante difundida a qual também era usada em outros ritos.
Elapo ou simplesmente terra, era a principal divisão política dos A-makuwa. A palavra designava simultaneamente o território da chefatura assim como os seus habitantes e tinha como chefe religioso e político o Mwene. Para os A-makuwa, todo o Homem tem um Elapo, a que pertence.
O Muttetthe, era um espaço delimitado fisicamente no qual viviam e trabalhavam quotidianamente os membros da casa, ocupado em permanência unicamente pelas mulheres. Os homens tinham os seus próprios territórios ou muttetthenas suas linhagens, fora do local onde viviam e trabalhavam, onde residiam as suas irmãs ou mães uterinas denominadas respectivamente munna (avó) ou narokore (irmã) e namayi/mayi (tia ou sobrinha).
1.2 O papel da mulher
A mulher ocupava o centro da vida da família: educava os filhos, cuidava da casa e preparava a comida. A sua principal tarefa, prendia-se com a maternidade e para tal, era preparada desde cedo. Poder dar a luz, trazia-lhe algum privilégio e assim o nascimento de uma menina era festejado efusivamente com ilulu e diferentemente do homem em as mães até em lamentações se perguntavam: Valeu a pena sofrer tanto?
Regra geral, a volta dos Mwene estavam três personagens femininas: (i) a sua mulher principal, Ahano, que por não ser do mesmo Nihimo, não exercia grandes influências, mas que, por casamento estava veiculada a ele; (ii) Nammpewe, sua sobrinha ou irmã, cuja importância particular advinha do facto de ser a virtual mãe do futuro Mpewe ou Mwene que iria suceder ao actual chefe no trono; e (iii) Piyamwene, figura a quem cabia o papel de destaque. Esta última, tinham assento no conselho respectivo mwene.
Quer ao nível de Nihimo dos donos da terra, quer dos restantes e suas subdivisões, Nloko ou Erukulu[4], para cada Mwene havia sempre uma Piyamwene, uma sua parente, sobre tudo, uma das mães classificatória[5], a quem cabia o papel preponderante na relação entre os vivos e os antepassados.
Ela representava o “ventre” da família e garantia a transmissão e observância da tradição. Sendo assim, não deixava nunca se envolver directamente nos conflitos e intrigas, para além de ser o elemento que garantia a continuidade em tempos de crise. A sua opinião na tomada de decisões importantes sobre a vida da respectiva comunidade territorial ou grupo uterino era preponderante e imprescindível.
Esta figura, costumava ser uma irmã ou sobrinha uterina do Mwene, sendo a que pertencia ao Nloko[6] mais importante na hierarquia etária das fundadoras dos subgrupos uterinos num determinado território. Apenas em caso de falta de mulheres capazes nos grupos legítimos, é que se podia recorrer a irmãs ou sobrinha de um outro Erukulu, não tradicionalmente elegíveis.
Há referências de que a piyamwene preparava a sua herdeira ainda em vida, sendo uma sobrinha ou irmã, que desde criança beneficiava dos seus ensinamentos e iniciação nos segredos da família. Ela tinha por funções preparar as diversas cerimónias tradicionais e secundar o respectivo chefe, que as presidia, no âmbito da família clânica ou comunidade territorial, tais como a invocação da ajuda aos espíritos dos antepassados em caso de calamidades naturais ou graves problemas sociais e imprevistos.
Ao nível territorial, a piyamwene: presidia as cerimónias de iniciação de rapazes e raparigas; participava na escolha e coroação de um novo chefe na hierarquia respectiva, executava as cerimónias de coroação de uma piyamwene de outros a-mamwene da região.
Em suma, desempenhava a função de ligação entre os vivos e os mortos, assumindo-se como a conservadora da tradição que mantinha a fidelidade `a linhagem original e os valores culturais do povo. Era intermediária entre o passado e o futuro, garantia da continuidade e factor de equilíbrio no exercício do poder político.
Como conselheira principal do chefe, possuía um conselho formado pelas anciãs das linhagens da povoação e pelas a-namuku ou conselheiras e instrutoras dos ritos de passagem. O termo “apiyamwene” é hoje as vezes utilizado para designar a mulher mais velha de uma família que dirige as cerimónias internas de cada erukulu ou nloko.
1.3 Educação pelos Ritos de iniciação
No passado era grande a preocupação pela educação das crianças, pois era a garantia do que as pessoas foram no passado, eram no presente e pretendiam ou queriam ser no futuro, bem como o veículo da transmissão desses valores entre gerações.
Desde o seu nascimento até ao desmame as crianças estavam a responsabilidade quase exclusiva das mães. Depois do desmame entravam em contacto com outras crianças com quais iam aprendendo a vida, mas ainda perto das mães.
A partir dos 4 a 5 anos de idade, impunha-se uma separação das crianças em função do sexo, para que os rapazes e raparigas fossem convenientemente preparados para o seu papel na sociedade. Os rapazes entravam em contacto com homens adultos, com os quais aprendiam a “saber ser” e “saber fazer”, através da observação, experimentação e imitação. As raparigas estavam sempre na companhia da mãe ou outras parentes uterinas com as quais iam cultivando as artes femininas: cozinhar, limpar a casa e utensílios domésticos, pilar, tirar água, tomar conta dos irmãos mais novos, entre outras.
Ao nascer, um bebê Mmakuwa não se encontrava ainda plenamente integrado na sociedade pois o seu verdadeiro nascimento social acontecia após fazer parte dos ritos de iniciação. Crianças não iniciadas eram de facto consideradas pessoas incompletas, tanto que, no caso de morte de um não-iniciado os ritos fúnebres seriam reduzidos.
Os rituais eram importantes, não só porque educavam os membros sobre os seus direitos e deveres assim como coordenar a sociedade (reestruturando as suas categorias de indivíduos), mas também porque durante o seu desenvolvimento utilizavam símbolos que exprimiam os valores fundamentais da sociedade e, assim, forneciam elementos importantes para entender uma determinada comunidade.
Era um momento em que a sociedade contava a sua própria história, podendo aproveitar a oportunidade para reconstruir e mudar a narrativa dessa história. Porque todas as sociedades são dinâmicas e mudam, os ritos eram os momentos em que essas alterações podiam ser sancionadas colectivamente.
Os ritos de iniciação eram a única escola que as crianças a-makuwa frequentavam na vida e os restantes conhecimentos iam adquirindo ao longo da vida. Estes, eram um espaço educativo de transição da infância para idade adulta, detinham aspectos de grande valor simbólico que acompanhavam a criança e a ajudavam a entender as mudanças que ocorriam no seu corpo e na sua psique.
Detinham como estratégias, um conjunto de actos repetitivos e codificados, muitas vezes solenes, de ordem verbal, gestual e postural de forte carga simbólica, fundados na crença na força actuante de seres ou de poderes sacros, com os quais o homem tentava comunicar, em ordem a obter um efeito determinado.
Nos a-makhuwani, os ritos de iniciação tornavam-se, assim, uma “escola do cidadão e da vida”, pois eram aprendidos os significados dos símbolos e rituais, o sentido e o funcionamento da magia, a hierarquia dos antepassados, a teodiceia, as relações que devia observar com o mundo individual e as normas da ética; era uma iniciação religiosa e, também, a descoberta dos mistérios da vida, o significado e o valor do sexo e a preparação para a sua função social.
Crianças de ambos os sexos, eram submetidas aos ritos de iniciação, que eram considerados como verdadeiros nascimentos sociais, e era somente após esta iniciação que poderiam participar dos momentos importantes da vida colectiva, tais como cerimónias, funerais e reuniões da aldeia. As marcas deixadas no corpo do iniciado durante o ritual (circuncisão, tatuagens, entre outras) seriam os sinais físicos de transformação na personalidade e no status do indivíduo.
Enquanto os ritos de iniciação dos rapazes lançava-os numa busca de si próprios, por sua vez, os femininos as dirigiam aos seus papéis de “Ser para os outros”. Depois dos ritos, a vida de ambos mudavaː enquanto os horizontes da rapariga se estreitava, os do rapaz ampliava-se se tivesse oportunidade para os desenvolver.
Nos dias de hoje, nota-se uma tendência da Igreja católica e outras religiões em procurar os ritos de iniciação da tradição Makuwa, `as suas próprias práticas e crenças. Como consequência disso, existe hoje uma versão dos ritos denominada “Ritos de iniciação renovados” em que são introduzidas algumas modificações em aspectos tradicionais considerados negativos.
Esta iniciativa tem a intenção de abrir outros caminhos na vida dos iniciados e introduzir modificações partindo das tradições da cultura makuwa mas que ainda encontram alguns problemas como por exemplo: a prática tradicional de alongamento dos lábios vulvares dos ritos femininos que a igreja não aceita por considerar masturbação e logo ser um pecado.
Outro aspecto que se apresenta contraditório, é que nos ritos renovados introduzem-se explicações técnicas para “desmistificar” o modo antigo de explicar os fenómenos. Porem, tal prática há o risco de despojar o ritual da sua força simbólica, sem proporcionar outro equivalente simbólico.
Em fim, as crianças que não passassem pelos ritos de iniciação, ainda não faziam parte do grupo social definido entre os a-makuwa. Isto porque ainda não conheciam a sua filiação, o seu Nihimo e os segredos a ele ligados.
A.   Ritos masculinos
Entre os seis aos doze anos os rapazes eram submetidos aos ritos de iniciação makuwa que tomavam o nome genérico de “Masoma” onde para além da circuncisão, aprendiam por demonstração, aspectos da vida prática dos homens adultos assim como os segredos e tabus ou miyikho, relativos a vida da sua comunidade.
Estes decorriam normalmente durante os meses de inverno), quando não era necessário muito esforço nos campos, quando as famílias ainda tinham estoques de alimentos no celeiro e dinheiro ganho com a colheita. De facto, os ritos requeriam uma grande quantidade de recursos (sobre tudo dinheiro), tanto para pagar os especialistas dos rituais quanto para pagar as festas e cerimónias ligadas aos mesmos. Por esta razão, normalmente se realizavam os ritos quando se conseguia reunir um grupo de pelo menos dez crianças.
O rito em si era realizado em um pequeno acampamento construído para a ocasião, a certa distância da povoação. Durante o ritual, os iniciados não podiam ter qualquer tipo de contacto com pessoas de fora do rito e, mesmo em caso de morte de um dos iniciados, os pais seriam informados somente depois de concluídos os mesmos.
No início da fase preliminar era realizada a cerimónia de makeya, presidida pelo mwene com auxílio da piyamwene e outras figuras importantes, ao pé da árvore sagrada (de principio num embondeiro) da família ou da comunidade na presença das crianças a serem submetidas aos ritos. Ainda se preparava uma refeição comunitária de despedida na casa do mwene e no final seguiam para o local de circuncisão que devia ser na floresta.
Para a circuncisão todo iniciado tinha um padrinho denominado Namuku, que o acompanhava e o ajudava em todo o processo do rito. Eram os a-namuku que preparavam as refeições para as crianças nos primeiros dias na floresta. Depois da segunda semana (quando iniciassem a cicatrização), estes poderiam ir buscar a comida em casa dos pais ou familiares das crianças.
Entre os a-makuwa de Nampula do passado, os ritos de iniciação masculina decorriam na floresta e longe do olhar das mulheres ou qualquer pessoa que não tivesse passado dos mesmos e podiam durar entre 3 a 6 meses ou mais. O retiro na floresta por tempo prolongado, para além de se dar oportunidade de abranger todas as áreas da vida humana, representavam para a criança um marco da roptura definitiva com o estágio infantil para a vida adulta.
Estes envolviam processos de uma autêntica imposição dos valores sociais, razão pela qual em alguns casos incluíam castigos corporais até mesmo psicológicos. Os métodos mais predominantes eram as representações sócio e psico-dramáticas acompanhadas de canções e danças próprias. As “aulas” eram caracterizadas por uma linguagem agressiva, carregadas de insultos, injúrias e humilhações. Isto tinha em vista conduzir aos rapazes `a memorização a longo prazo através de fixação involuntária, associando o aprendizado com a situação não muito agradável do iniciado.
Os conhecimentos transmitidos durante os ritos versavam sobre a saúde, funerais e tabús a eles inerentes, a ética, os diversos tabus da iniciação sexual, conservação do meio ambiente, história da comunidade local, as técnicas de caça, pesca construção de imóveis e o artesanato.
A fixação sensata resultaria da curiosidade de saber o sentido das palavras codificadas e das representações do desconhecido para a compreensão dos factos. Este método visava também moldar nos iniciados a paciência, a tolerância e a ponderação. Moldava-lhes a vontade e corrigia-lhes as faltas.
Até o retorno dos iniciados os pais também precisavam seguir vários requisitos como: não se lavar, não se vestir bem, não pentear o cabelo e não ter relações sexuais.
Ao final do ritual, os iniciados deviam receber outro nome que indicava tanto um estado (dimensão essencial) quanto uma missão (dimensão funcional). Tal nome era anunciado aos familiares femininos que não estiveram na floresta, numa cerimónia denominada wuluma.
Finalmente, acontecia a fase de reintegração, na qual o acampamento era destruído e queimado com todos os utensílios e vestuários usados durante a estadia. Em seguida, os iniciados realizavam um banho de purificação e voltavam para a comunidade mostrando as competências adquiridas. No final, realizava-se uma refeição comunitária de recepção, onde todos os membros da família e os amigos rejubilavam com a chega dos novos homens, que até podia durar um dia inteiro.
Depois dos ritos de iniciação, os rapazes entravam imediatamente para a fase adulta, de onde passava a participar activamente na vida da comunidade. Uma vez feitos homens, estes iriam fecundar mulheres de outros grupos, servindo apenas de protectores e tutores quanto aos filhos das suas irmãs.
B.   Ritos femininos
Entre os A-makuwa, as raparigas eram consideradas a garantia e continuidade da comunidade, pois era a futura mulher que ao nível da família uterina seria responsável pelo enriquecimento do grupo Clânico a que elas pertenciam.
Tal como os rapazes, as raparigas eram igualmente submetidas aos ritos de iniciação, denominados Imwali. Geralmente estes decorriam depois da primeira menstruação[7], (que acontece geralmente entre os 12 em diante, embora haver casos de meninas que atingiam os 18 anos antes de menstruar). Os ritos começavam mais cedo quando as raparigas começavam a distender pequenos lábios vulvares, pratica denominada “othuna”. Tal podia ser informalmente (com as suas coetâneas[8]) ou sob orientação da mãe, tia ou avó. O objectivo do alongamento dos lábios vulvares ou othuna, era de completar a mulher e prepará-la para a função sedutora providenciando prazer no homem[9].
Estes ritos, decorriam apenas entre as mulheres e duravam no máximo entre uma a duas semanas. Nos ritos, as meninas eram, tal como os homens, submetidas a processos de aprendizagem baseados em aspectos práticos da vida, com vista a sua preparação para o seu futuro papel de esposa e mãe.
Importa lembrar que a educação das meninas começava muito cedo, mesmo antes de ter o primeiro ciclo menstrual, continuava por anos a fio e ao longo da vida, pois a medidas que iam atingindo novos estágios da vida teriam sempre as parentes idosas para lhes transmitir os respectivos conhecimentos”.
Entre os a-makuwa de Nampula do passado, era frequente as mulheres serem submetidos a ritos em diferentes momentos ou fases da vida tais como: no primeiro casamento, o nascimento do primeiro filho, na morte do filho/a, no nascimento do primeiro neto/a, no amadrinhamento de novas iniciadas, entre outros acontecimentos.
Os ritos femininos não aconteciam num único momento tal como aconteciam com os ritos masculinos, pois aqueles seguiam um processo longo com algumas fases.
Logo após a primeira menstruação, as meninas eram submetidas a um aconselhamento denominado “Oleeliwa”. Nesta cerimónia, as mestras explicavam a menina o significado da menstruação e as normas de higiene durante a mesma. Explicavam também algumas regras de comportamento, sobre tudo, as proibições que não deviam praticar durante o “período de lua” ou “mmweerini[10]” tais como: Falar sempre em voz baixa com a cabeça inclinada; Não atravessar, saltar, ou passar por cima das pessoas; Não salgar a comida (tal procedimento podia provocar doenças graves `a outras pessoas como o caso de hérnia nos homens), pois a menstruação era vista como sendo uma poluição.
Depois do primeiro momento, seguia-se a fase do “Período de Margem” denominada Opopheyiwa ou Ovoloyihiwa. Nesta fase, os conteúdos dos conselhos dados `as iniciadas versavam sobre: o casamento, o sentido de honra, os comportamentos a evitar, entre vários. Da mesma maneira, os conselhos de iniciação denominados ikano ou itthoori, que podiam até ser dados por homens[11] visavam: Desenvolver empatia ou capacidade de desempenhar correctamente os futuros papéis de esposa e mãe; Moldar a personalidade das iniciadas; e Prepará-las para o casamento. Tais conselhos cumpriam a função de prescrever para as raparigas o seu papel de “ser para os outros” na esfera doméstica, produtiva e comunitária, enquanto esposa, mãe, pessoa solidária
A terceira fase era denominada “Ensinamentos da floresta” ou então “Omirini”. Nesta, as raparigas eram orientadas a procurar o remédio de iniciação ou “Nxileyamwali” cuja forma determinava se elas tiveram ou não no passado um bom ou mau comportamento com os homens. Tratava-se aqui de uma maneira de inculcar nelas a ideia de que “deviam evitar infidelidade e existia uma forma suprema que sempre sancionava o que era irreverente”.
Esta prática tinha em vista controlar a sexualidade das raparigas e o risco de qualquer irreverência por um lado e ajudava-lhes a conhecer o seu corpo no contexto da sexualidade. Para complementar esta fase, também passavam-se conteúdos ligados a Saúde Reprodutiva, com destaque para o uso de formas tradicionais de controlo da fertilidade.
Neste processo, não eram transmitidos, as iniciadas, ensinamento sobre o processo de parto, uma vez que constituía mwiikho, enquanto não tivesse chegado a altura própria. Apenas podiam ser passadas mensagens sobre o processo da fecundação a partir da união entre órgãos genitais do homem e da mulher.
Era nos ritos de iniciação femininos que se fazia uma celebração do corpo das mulheres, sobre tudo da sexualidade feminina. Através deles, compartilhavam-se segredos das mulheres, mostrava-se o vínculo simbólico entre o seu corpo e a natureza como por exemploː a relação entre a menstruação e os ciclos da lua, a analogia que se estabelece entre a sexualidade das mulheres e a origem do fogo.
Pelos ritos, estimulava-se na rapariga a descoberta das possibilidades eróticas do corpo, ensinava-se o uso de sementes e óleos naturais nos rituais de preparação da relação sexual.
Para uma rapariga, o reconhecimento do seu corpo na puberdade podia ser a porta aberta para uma vida sexual mais satisfatória, pois os ritos femininos a-makuwa eram vistos como expressão do conhecimento ancestral das mulheres sobre o seu corpo, eram potencialmente um espaço feminino de poder.
As raparigas que participavam da experiência dos ritos, ganhavam também uma consciência do seu ser mulher num outro sentido: confirmavam os limites e as proibições que se colocavam as suas vidas e que tinham já começado a aprender na sua família. Se desde muito pequenas as crianças eram preparadas a desempenhar papéis e a conformar-se e aceitar o destino, era pelos ritos de iniciação que as jovens aprendiam a situar-se na hierarquia familiar e que o seu estatuto era definido.
A escola formal que posteriormente veio a ser implementada na sociedade Makuwa, no início não constituía um acontecimento importante. Ir a escola, para uma criança iniciada, significava o prolongamento da infância e o adiamento da entrada a vida adulta. O ser capaz d ler e escrever não era um valor óbvio, principalmente nas famílias rurais, uma vez que o conteúdo curricular do ensino não era aplicável `a vida diária da criança.
Depois dos ritos, para a rapariga, o casamento e a maternidade perfilavam como único futuro, o que fazia com que estes contribuíssem para que as características sexuais se convertessem num destino que se apresentava como inalterável para as mulheres.
1.4 O casamento
Na sociedade moçambicana em geral e na cultura makuwa em particular, o casamento não era um evento que acontecia entre duas pessoas, mas sim entre duas famílias. Toda a comunidade realmente se sentia envolvida em um casamento, uma vez que entrava em jogo a consistência, a reputação e o futuro de uma linhagem da sociedade em geral. O casamento era muito importante, pois uma pessoa não era completa se não se casasse e era vista como um tempo de crescimento pessoal e de maior integração na comunidade.
No casamento Makuwa não existia o dote (a mulher que levava consigo os bens) nem o preço da noiva (o homem que oferece bens para a família da noiva). Considerava-se que com o casamento a família da noiva enriquecia porque adquiria um novo membro que ajudaria na casa e nos campos.
Quando os dois jovens começavam a sentir atracção um pelo outro, o rapaz falava com seu tio materno manifestando o desejo de casar-se com a moça. O tio consultava os pais do rapaz e os anciãos da família, depois iniciavam-se as negociações com a família da rapariga.
Essas negociações podiam durar várias semanas. Durante esse tempo, a família da rapariga fazia pesquisas sobre a família do rapaz para ter certeza de que não há laços de sangue entre eles e para verificar a reputação do nome. Investigações terminadas e aprovado o rapaz, esse era entregue à família da rapariga com a qual ele ia viver por um período de teste (cerca de um ano), durante o qual viviam juntos como um casal de facto, em todos os sentidos.
O rapaz devia demonstrar que era um bom rapaz (trabalhador, fértil e bom marido). Se um deles decidisse, nesta fase, que não estão convencidos um do outro, o processo se interrompia e se separavam, sem quaisquer consequências. Se durante o ano de teste desse tudo certo, os anciãos da família iriam estabelecer a aprovação final do casamento.
Os ritos de casamentos eram parte de um processo que leva cercava seu tempo prolongado, e todos os rituais que compunham este processo eram considerados importantes para o mesmo.
Uma pessoa, podia unicamente casar-se com um membro do seu subgrupo, isto é, não podia se casar com pessoas da geração da sua mãe ou da sua filha mas sim da sua avó ou neta.
Os casamentos preferenciais eram entre primos cruzados, isto é, entre os filhos de um irmão e de uma irmã, dado que eles pertenciam por nascimento a metades diferentes. A preferência por este tipo de casamento, era antes uma manifestação de luta entre linhagens pelo controlo da terra, do trabalho, da descendência, entre outras e reflectia um movimento em direcção ao controlo diferenciado sobre a produção e reprodução por grupos de descendência hierarquizada.
Igualmente, podia se casar com pessoas de idades muito diferentes, ou seja, um homem podia se casar com uma mulher viúva mais velha que ele, duas gerações e um velho podia receber em casamento uma rapariga nova da geração da sua neta.
Se uma mulher com a idade não se considerar suficientemente atraente sexualmente e ao mesmo tento se considerar que o seu marido sempre teve um bom comportamento (fecundidade e produção) era responsabilidade desta, entregar-lhe uma outra parceira sexual jovem que se denominava Ekuxoo[12]. Constituía uma forma de gratidão ao marido, reforço e reconciliação da família e tal era considerada uma prática normal. Tal jovem devia ser casada pois em caso de conceber, os filhos eram atribuídos ao seu marido. Em caso de solteira a viver com a sua avo, em caso de conceber a sua avó devia procurar-lhe logo um marido para assumir a paternidade dos filhos. Havia casos porem, que sendo a ekuxoo uma solteira, esta passava a assumir o papel de segunda esposa e o Homem assumia a paternidade dos filhos.
1.5 As relações sexuais
Para um casal, as relações sexuais eram uma fonte de união entre os cônjuges, entre estes e os antepassados e o resto de suas famílias. Entre tanto, havia uma série de situações em que os cônjuges não podiam ter relações, como: durante a menstruação, após o parto até o desmame da criança, em caso de doença, em caso de morte de um parente muito próximo, durante os ritos de iniciação de seus filhos e durante a preparação de grandes ritos tradicionais de sacrifício.
As relações extraconjugais eram extremamente mal vistas e resultavam na separação temporária ou permanente do casal. Eram permitidas apenas em alguns casos. Primeiro, por hospitalidade da noiva. Em caso de receber uma visita de um personagem muito importante, o marido poderia oferecia a sua esposa por uma noite. Segundo, podia ser em situação de troca de esposas denominado “onthamwene wa mpani”. Tal acontecia quando dois amigos muito íntimos decidiam trocar as esposas por uma noite ou algumas noites alternadas com vista a pagar e reforçar ainda mais a amizade de ambos (a troca só podia acontecer se as esposas consentirem, pois havia casos em se não haver comunicação as esposas tanto ambas ou uma delas podia negar). Terceiro, podia ser ajuda em caso de infertilidade, denominadas: útero de aluguel ou doação de esperma. Quando o parceiro homem fosse estéril, a família do casal podia identificar um homem fértil para fecundar a mulher para evitar divórcio. Quando se provasse que estéril era a mulher, para evitar divórcio os familiares podiam identificar uma mulher fértil dentro da família para ser fecundada pelo homem. Finalmente, as relações rituais. Frequentemente, aconteciam relações sexuais em rituais de corte de cabelo de casos de morte. Se um homem ou mulher morresse, o membro vivo podia receber uma parceira ou parceiro (conforme o caso) para o ritual de corte de cabelo.
Os casais adoptavam como métodos de controlo de natalidade: abstinência periódica (especialmente após o parto); aborto (principalmente no caso de adultério); uso de contraceptivo natural preparado por um curandeiro especialista.
1.6 A dissolução do casamento
Se o casal tivesse divergências insuperáveis, ou em casos de infertilidade, impotência, adultério, abortos frequentes, morte frequente dos filhos, ou maus tratamentos graves, normalmente procurava-se encontrar soluções para estes problemas através de debates na família ou comunidade liderada pelos chefes das respectivas famílias.
Se não conseguissem chegar a um acordo, apelava-se para o tribunal comunitário ou opwaroo, presidido pelo chefe da aldeia, o qual organizava um processo real com várias testemunhas, debates e julgamento. Caso a decisão fosse pelo divórcio, o marido voltava para sua família deixando os filhos com a mulher e os dois seriam livres para se casar novamente.
Por parte do marido, jogavam a seu favor como sendo motivos da separação, os seguintes: por a mulher se recusar a culimar a machamba; pelo seu mau porte, ausência constante e esterilidade.
A mulher podia deixar o marido pelos seguintes motivos: quando o marido é malandro ou mulavilavi; quando não lhe desse de vestir; quando, tendo mais duma mulher, por gostar mais duma, não dormir com as outras; quando não dormir com ela pelo espaço de três dias, o máximo; por doença incurável e adultério (contra vontade da mulher).
Se um dos cônjuges fosse acusado pelo outro de adultério, provando-se a sua inocência, o acusador, sendo o homem, pagava a mulher e se fosse a mulher, paga ao homem. O pagamento podia ser em vestuários, galinhas ou géneros da machamba.
Geralmente para que haja separação, reúne a família para discutirem o assunto e verem se há razões para que a separação tenha lugar.
1.7 O nascimento de um novo membro
Um novo nascimento concretizava a esperança de que a vida continuava reforçando o elo entre o passado e o futuro. Era sinal de que os ancestrais continuavam a agir como intermediários entre a fonte da vida e a sociedade. Com um novo nascimento toda a comunidade ficava mais forte. Por esta razão a infertilidade era vista como uma desgraça, um castigo ou uma maldição, como resultado da violação de qualquer lei, de má conduta ou acção de alguém que lhes desejasse o mal.
Durante a gravidez a mulher era tratada como se estivesse doente, porque o que carregava no ventre era considerado delicado e frágil. Durante este período o casal devia continuar a ter relações sexuais, porque considerava-se que as relações sexuais fortaleciam a criança e servia para completar o seu crescimento.
A mulher mostrava a todos que ela estava grávida vestindo-se e se penteando de modo diferente, menos cuidada. Também recebia uma série de ensinamentos’ de forma individualizada, por parte das mulheres conselheiras, aquelas que normalmente conduzem as cerimónias e os ritos. Esta educação podia ter lugar na casa da Piyamwene ou na casa de uma das conselheiras, e eram transmitidos ensinamentos sobre a gravidez, sobre o comportamento sexual a manter com seu marido, higiene íntima e sobre os rituais e requisitos que deveriam ser seguidos.
O parto era um momento de segregação absoluta ao qual apenas as mulheres podiam participar, normalmente, as conselheiras/anciãs. Acontecia em um lugar longe das crianças e homens, um lugar tranquilo.
Se ocorressem complicações durante o parto, o marido deveria adoptar uma série de comportamentos (esvaziar a casa, vestir-se mal, mostrar-se triste) e a mulher deveria confessar para as anciãs que frequentam o parto, todo o seu mau comportamento e suas traições, podiam desafogar todos os problemas que tem com seu marido, podia insultá-lo e injuriá-lo, até deveria confessar o nome do verdadeiro pai da criança (se a grávida não fosse do seu marido).
Também as anciãs poderiam se juntar neste momento e confessar-se. Tudo o que era dito neste momento era um segredo absoluto e nunca seria divulgado a ninguém que não estivesse presente. Após o Parto seguia o corte do cordão umbilical, um primeiro banho com água preparada de um modo particular, o soterramento da placenta, e uma série de pequenos rituais. Se nascesse uma menina as mulheres emitiam um grito tocando o elulu alegre muito longo, porque as fêmeas garantem a linhagem e, consequentemente, o crescimento da família, enquanto se nasce um menino, o grito será de menor duração.
Logo que nascesse a criança, procediam à operação da extracção do cordão umbilical, etekhu, para o que atavam um pequeno e fixo cordel envolvendo o cordão junto ao corpo, mas com força, e assim deixavam ficar que depois de seco, caia por si. Depois da queda deste cordão, realizava-se a cerimónia de corte do primeiro cabelo da criança.
A escolha do nome da criança era feita por um dos parentes mais próximos: seu tio materno, pai, avós ou alguém muito importante para o casal. O nome podia ser inspirado por muitas coisas: um desejo realizado, um evento na vida da família, o nome de um antepassado, qualquer coisa que tivesse um significado especial para a família.
Os novos nascimentos fortaleciam o vínculo com os ancestrais e atribuir nome de um ancestral a um recém-nascido era garantia de um maior bem-estar na sociedade. Por exemplo, no passado, creditava-se que um recém-nascido ao receber o nome do ancestral, o mesmo recebia também certas características do falecido. Por esta razão, não era frequente atribuir-se a um recém-nascido, nome de pessoa ou antepassados que tivessem sido de má conduta (ladrão, feiticeiro, mulavilavi, entre outras) ou então nomes com significados de maldade.
Se o nome do antepassado fosse seu avo e que se a sua avó ainda estivesse viva, brincando chamava-o carinhosamente de “meu marido”. Assim que a criança crescesse e se casasse, a avó podia dizer à sua esposa que ela lhe roubou o seu marido e que estava com ciúmes.
Os nomes para os a-makuwa atribuídos a recém-nascidos, designavam a natureza da pessoa. Este será o primeiro nome, mas durante sua vida ele podia receberia outros nomes dados a ele pelos amigos, durante a iniciação, casamento ou quando fosse substituir um ente querido ou mesmo escolhidos por si. Esta multiplicidade de nomes indicava a complexidade da personalidade de cada um.
Com cerca de um ano de idade acontecia uma pequena cerimónia para o desmame da criança, que consistia em um banho de purificação seguido de uma refeição com todos os membros da família, amigos e pessoas relevantes. Com esta pequena cerimónia a criança se integrava mais na comunidade e estabelecia também a sua entrada em vida, visto que superou o seu primeiro ano de vida, por sinal o mais crítico.
Quando um casal fosse estéril, realizava-se uma investigação para tentar descobrir o porquê, assumiam remédios tradicionais, faziam sacrifícios aos antepassados e, quando nada funcionava, tentavam identificar um possível culpado (uma maldição que recaiu sobre o casal por exemplo). Se não houvesse resultados favoráveis, o casal podia querer recorrer a ajuda de outras pessoas (o marido engravidava outra mulher ou outro homem que engravidava sua esposa), e a criança que nascesse seria reconhecida no todo e para todos como o filho do casal, e eram removidos todos os laços com os pais biológicos.
1.8 Crenças e Cultos.
A vida era um valor absoluto, cujo fundamento estava em Deus ou Muluku. Para os a-makuwa, negar a existência de Muluku era o mesmo que negar a própria vida, dai a expressão: Muluku Mpattuxaa ni mwanene a itthu sothene”ou seja, Deus é Criador e dono de todas as coisas”. A esfera religiosa abarcava tudo o que existe na natureza e para eles, o universo era povoado por seres materiais e espirituais e, tudo formando numa só coisa.
Para os a-makuwa, Muluku era um só, criador de todas as coisas dono de tudo e Senhor da humanidade, daí considerar os homens de seus filhos ou anaaka. O que Muluku queria e quer era o bem das suas criaturas e os homens deviam se preocupar não com Deus, mas sim com os maus espíritos e com os inimigos, fazendo de tudo para se defender deles.
“Muluku okhala” ou “Deus existe” era uma frase constante entre os povos a-makuwa mais tradicionais e expressava a existência de Deus não só nas coisas boas, mas também nos infortúnios da vida, como uma esperança de dias melhores.
Na visão de mundo, para os A-makuwa não havia divisão entre o sagrado e o profano, entre o mundo e Deus/o divino, entre o natural e o artificial, nem entre o homem e a natureza. O divino e o sobrenatural estavam por toda parte, convivendo com e no mundo natural e humano, interagindo com ele e influenciando-o em todos os momentos.
Os espíritos dos antepassados estavam sempre presentes, sempre atenciosos com o que acontecia com seus descendentes. Os protegia, os orientava e se comunicavam com eles através de sonhos e visões tomando forma de animais (especialmente serpentes), possuindo alguém, ou através de uma série de sinais (geralmente eventos fora do comum).
A crença nos antepassados, tão discutida e afirmada erroneamente como a “religião dos a-makuwa”, tratava-se não de uma religião, mas sim na crença de que os mortos se tornam personalidades superiores e estão ao lado de Muluku, como colaboradores directos. A-nakuru eram espíritos dos mortos que não conseguiram entrar na categoria de “antepassados” por não estarem em sintonia com Deus.
Neste povo, acreditava-se que os mortos tinham as mesmas necessidades e exigências que os vivos. Estes, pelo seu poder temível, mostravam-se irados com os vivos, sendo necessário aplacar as suas iras e satisfazer as suas exigências para que não pudessem desencadear castigos.
Os males que atormentavam os homens, não eram “atribuídos a Deus”[13] mas sim propagado pelos espíritos ou outras almas errantes e feiticeiros. Era destes elementos que os vivos deviam se defender, acalmando-os, aplacando-lhes a ira ou satisfazendo-lhes as exigências.
Os cultos tradicionais, caracterizavam-se por implorações aos espíritos dos antepassados nos quais envolviam ofertas em locais apropriados de “Makeya” ou “Mukuttho” bebidas fermentadas (Otheka) ou alcoólicas, pano branco denominado ntthaka e outros produtos.
Para além dos locais de culto que se localizavam em lares familiares ou junto dos povoados, existiam locais considerados regionais para onde, em caso de aflição de vária ordem, afluíam as pessoas.
1.9 O uso dos recursos
O sistema tradicional de uso da terra era dominantemente familiar e normalmente à família alargada. As formas de produção eram individuais, cabendo a exploração a homens e mulheres, individualmente ou em conjunto e recaia sobre tudo nos membros masculinos a decisão sobre a alocação de produção.
A terra sempre foi usada para agricultura e era da pertença do Mwene mulupale, enquanto instância superior de hierarquia dos a-makuwa. Aos chefes dos grupos clânicos ou mamwene, lhes cabia a função de distribuí-la pelas famílias por si chefiadas. A cada membro família, era distribuída uma parcela da mata que ainda não estivesse ocupada para abrir a sua machamba, sobre tudo, `a mulher e seu marido[14]. O uso e posse da terra, ficavam condicionados `a prestação de serviços das machambas do Rei grande ou a oferta, ao mesmo, de uma pequena parte da produção familiar.
O acesso a terra entre os a-makuwa se fazia através da mulher: pela morte de uma mulher, uma outra do mesmo grupo substituía a falecida e assumia então: o estatuto, o esposo e as terras. O homem não tinha acesso `a terra, senão por intermédio da mulher, enquanto sua esposa no quadro do casamento. O acesso da terra para o homem, dependia não da sua autoridade familiar, mas sim da sua esposa, sendo o território dela o lugar de desempenho da actividade produtiva masculina.
A terra herdada, comunalmente, por um grupo familiar tinha várias funções e era governada segundo o principio de que: os ancestrais, os membros da família e as gerações futuras deviam viver no mesmo território. Ela era vista como uma fonte de vida para todos e os que geriam e distribuíam, o Rei grande ou os mamwene, eram obrigados a ter em consideração as suas necessidades presentes e futuras.
A terra era propriedade privada dos utentes e em caso de morte do chefe da família, esta passava, por herança, para o filho mais velho da viúva (se fosse mulher) ou sobrinho mais velho da irmã (se fosse homem).
As formas de acesso a terra podiam ainda ser feitas por empréstimos temporários de uma ou várias parcelas de terra denominadas “Nthala” ou “Mathala” `a famílias de outras linhagens pelos Chefes dos makholo.
Após várias ofertas ou sucessivas visitas, havendo consentimento, combinava-se as modalidades de uso, que podia ser: cedência, em troca de produtos; aluguer, por uma campanha agrícola; ou venda, por um período de dois ou quatro campanhas. A ausência do ocupante durante algumas épocas de chuva, fazia prescrever o direito de exploração revertendo novamente a administração do régulo.
As formas de uso da terra, eram definidas pelos anciãos após as cerimónias de defesa da terra ou apenas Othukurya elapo, durante as quais rogavam aos deuses e espíritos que os livrassem de todo o perigo que pudessem surgir.
O mwene era o guardião da terra, ou seja, responsável pela sua conservação e repartição entre os membros do grupo. Ao constituir-se uma nova família, cabia-lhe a distribuição das terras aos esposos das irmãs ou sobrinhas retirando, por vezes, aos seus próprios dependentes masculinos o acesso a terra situada no seu território de origem.
Para agricultura era usado o sistema trienal de rotação de culturas em que passados os três anos, deixava-se em pousio e passavam a cultivar outra área, para permitir a recuperação da fertilidade dos solos. Na preparação da nova machamba, usava-se sempre a queimada que devia ser autorizada pelo mwene mulupale, assim que se aproximasse o início de cada sementeira[15]. No mesmo contexto, os caçadores também faziam queimadas, mas em tempo seco.
As terras junto as montanhas eram sagradas, o que significava que a sua utilização para actividades agrícolas era proibida. Estes lugares muitas vezes estavam reservados a cultos.
A água nunca foi controlada e nunca se pagou pelo seu uso, pois, foi sempre considerado como um recurso sagrado[16], não podendo por isso ser alienado. A abertura dos poços, cabia as mulheres que se mobilizavam entre si e só em regiões ou anos de seca, os homens se juntavam para tarefa que não era antecedida de qualquer cerimónia. Também existiam reservas de água em lagoas, porém, estes locais eram considerados e utilizados para a realização de cerimónias de adoração em determinados eventos.
Algumas espécies florestais tais como: jambiri, umbila e moco, não deviam ser cortadas e para outras, o seu corte era considerado tabú, uma vez que os espíritos não permitiam o seu abate. Entre os a-makuwa de Nampula, o embondeiro ou mulapa, foi considerado centro de cultos tradicionais uma vez que para eles, os espíritos passavam maior parte do seu tempo repousando nestas árvores.
Em relação a fauna, os costumes a-makuwa também ensinavam a proteger animais como o elefante, o leão ou mwatto, o leopardo ou havara, a cobra mamba ou nttapo, a jibóia ou nikhurapela, eram considerados como “itthu sa muluku” ou apenas “Coisas de Deus”. Para tal, os caçadores eram formados por curandeiros “especiais” que durante a sua aprendizagem eram instruídos de forma a distinguirem os diferentes tipos de animais que deviam ou não ser abatidos. Porém, existiam algumas espécies vegetais e animais para o uso exclusivo durante certos eventos ou ritos.
Em relação a lenha, que era o maior combustível que se usava, era retirada da própria machamba da família ou perto desta e caso escasseasse podia se ir buscar na mata ou cortar árvores secas mas sem ultrapassar os limites da propriedade familiar.
Não havia controlo sobre a utilização dos recursos ao nível da comunidade em relação ao combustível lenhoso e material de construção. Porém em defesa dos interesses da maioria, não era permitida a exploração desses recursos por pessoas pertencentes a outros grupos. Em casos especiais de exploração, era necessário uma autorização do mwene pertencente `as terras e assim evitava-se o conflito entre os diferentes grupos. Se alguém transgredisse estas regras e fizesse o uso dos recursos proibidos, adoecia ou acontecia-lhe alguma desgraça que podia levá-lo a morte
1.10 Gestão de conflitos
Entre os a-makuwa de Nampula, no passado, o termo conflito era designado “owanawana” e significava também contradição ou desentendimento entre duas pessoas. Do owanawana ou conflito, podia levar a mulattu ou milando quando denunciado `as autoridades tradicionais, os mamwene.
Sabe-se porém que, entre os a-makuwa de Nampula do passado, a família uterina era constituída pelos defuntos, pelos vivos e pelos que virão a nascer, o que levava ao alargamento do campo de conflito. O não cumprimento de deveres para com os familiares mortos, podia ser motivo de convulsões sociais e que correspondiam adequadas medidas de mediação para a reposição da normalidade.
A procura da reconciliação era pelo medo que tinham de um dia sofrerem maldades como consequência do desentendimento com os seus semelhantes. Para a resolução de conflitos, usavam-se como métodos a persuasão, a adivinhação, o mwaavi e os juramentos.
Na persuasão, os chefes, mwene, desempenhavam um importante papel na persuasão aos seus membros com vista mudança de comportamento e assunção de novas formas de conduta social. A adivinhação, que era feita por um adivinho ou curandeiro, servia para descobrir algo oculto como por exemplo: o roubo, as relações extra-conjugais e as doenças.
O mwaavi, consistia no consumo de certas cascas de arvoes específicas, para provar a falsidade ou culpabilidade num indivíduo, como prova de ter praticado ou não um certo acto. A outra forma de mwaavi, podia ser com cascas de árvore a ferver e o especialista fazia perguntas aos dois (ofendido e ofensor) para se acusarem a volta da fogueira. O transbordar da água em ebulição para um dos lados dos envolvidos na contenda era sinónimo concludente do envolvimento.
Finalmente, os juramentos eram feitos sobre a esteira, o soalho, ou então, campas de ente queridos.
As práticas de feitiçaria geravam situações de conflito, por isso, entre os a-makuwa de Nampula, era frequente acusações de feitiçaria. Grande parte de doenças e calamidades eram atribuídos, pelos adivinhos, a actuação de indivíduos inconscientemente de princípios maléficos, denominados a-nahavra, portadores de havara ou leopardo.
Num conflito entre indivíduos de Clãs diferentes, o mwene do grupo ofendido, ia ao encontro do mwene do grupo ofensor ou infractor e na presença dos envolvidos e outros membros da família, tentam resolver o conflito. Quando não se chegava ao consenso, era levado ao opwaroo[17]
Para resolver os conflitos sociais comuns como problemas matrimoniais, roubos, recorria-se primeiro a família, quer dizer, ao mwene do nloko ou ao tio do erukulu. Se a família não conseguisse resolver, este era transportado ao Mwene mulupale. Para a solução, este e os seus conselheiros juízes, exigiam um pagamento que devia em bens, produtos, prestação de serviço, ou mesmo algum dinheiro.
Na herança e sucessão também recorria-se ao diálogo e ao consenso que eram as principais armas para evitar o conflito entre filhos e sobrinhos uterinos de um homem que morresse deixando bens ou riquezas. Embora fosse o sobrinho que tivesse o direito a suceder o tio, a divisão dos bens devia ser feita por dois, nomeadamente: a mulher (incluindo seus filhos) e o sobrinho (sucessor), isso em caso do homem não aceitar viver com a viúva.
1.11 As danças tradicionais
As danças eram praticadas como forma de reafirmar a identidade cultural e exteriorizar o estado espírito tanto de satisfação, assim como de tristeza em diversificadas circunstâncias da sua vida, tais como, nas festividades, na morte e em momentos de reeligação com o além, entre outros. Neste sentido, haviam danças praticadas só por homens, as praticadas por homens e mulheres conjuntamente e outras praticadas só por mulheres.
As principais danças praticadas só para homens se destacavam: Nsiripwiti e Harapa ou Nakula. Na dança Nsiripwiti, os  homens formavam um círculo e numa fila, com as latas presas a uma corda à cintura e às vezes nas pernas. Estas latas eram uns pequenos quadrados de folha unidos pelos vértices dos quatro ângulos e ficava um espaço no meio, depois de unidas as arestas, tendo previamente colocado dentro pequenas pedras. Os músicos ou tambores ficavam no meio tocando nos seus instrumentos chamados ikoma ou malapa.
Um tocava num Ekoma coberto só dum lado com a pele de uma cobra aquática chamada Ehala[18], outro tocava noutro semelhante e os outros tocavam num maior também coberto com pele igual. Chamam à primeira de Nlapa, à segunda Txutxu e os outros Pettheni, que era semelhante ao Nlapa, mas de menores dimensões. Nestes, tocavam com dois pequenos bambus em compasso apressado e batendo com os bambus alternadamente; os outros batiam com os dedos, tendo as mãos estendidas e eram estes que tocavam ao compasso da dança.
Os homens que formam a orquestra, ficavam sentados com os tambores entre as pernas e com estas seguras, à excepção dos que tocam as pequenas malapa, que as assentavam sobre panelas ou ekhali com a boca para cima, para darem melhor som. Os da roda iam dançando a compasso, andando à roda ao mesmo tempo que, também a compasso, faziam soar o chocalhar das latas, dando os necessários movimentos ao corpo e pés.
Esta dança também tinha lugar em cerimónias de Eyinlo, pelo falecimento de algum habitante da povoação, que geralmente era acompanhados da inseparavelmente da otheka.
Xakala, era igual ao Nsiripwiti, com a única diferença, que em lugar das latas usavam tecido feito da casca de árvore e a que denominado nakotto, cortado às tiras e atados a uma corda que cercava a cintura.
Na dança Harapa, sentava-se no chão todos, menos dois que dançavam, com dois pequenos bambus que estavam sempre batendo sobre dois ou três bambus colocados no chão e unidos, sendo apertados em vários pontos entre dois pequenos bocados de bambu cravados no terreno. Saia um ou dois de cada vez para dançarem, seguindo o compasso das pancadas dos bambus e todos cantavam. A certa altura, o que estava dançando, voltava para o seu lugar e ia outro, continuando assim sucessivamente.
Quando morria um homem tido entre eles como pessoa importante, faziam esta dança dando a família do falecido a otheka e, não tendo esta, uma ou duas galinhas para todos comerem.
Tal como harapa, na dança nakula, também a pratica era a mesma mas esta tinha a particularidade que para além de bambus, também eram usadas três ikoma e era feita em qualquer ocasião.
Das principais danças praticadas por mulheres destacavam-se as dos ritos de iniciação feminino, nomeadamente, Kaarare e Makiyekiye. A dança kaarare era praticada nos ritos femininos e que os homens não podiam assistir, que era feita no cercado da palhota denominado Opwaro. Se caísse algum homem na asneira de espreitar era corrido a pedrada. Nesta dança, não havia ikoma, as mulheres cantavam em coro e andavam à roda, mas de costado e então, umas atrás das outras, faziam uns movimentos interessantes e indecorosos.
Outra dança típica dos ritos de iniciação feminina era Makiyekiye que visava quebrar certos tabus que existiam no seio da sociedade antiga. No bailado ora em alusão, as bailarinas, com as mãos assentadas sobre o chão, iam mostrando, com maior nível de sensualidade possível, os seus talentos com movimentos ligeiros levando assim o público ao delírio. A dança era conhecida por englobar a particularidade teatral, onde, a cada instante que passasse, enquanto decorria a bailata, as dançarinas iam encenando situações quotidianas cujos actores principais eram os casais. Para dançar Makiyekiye era preciso que a bailarina se soltasse e se deixasse levar pelos sons dos batuques”.
As danças praticadas por homens e mulheres conjuntamente, destacavam as praticadas em rituais de tratamento de doenças, entre outros momentos. Entre elas se destacavam: Naquirela e a de cerimónia de Eyotto.
Naquirela era uma dança com características típicas de harapa dos homens. Nesta, as mulheres ficavam todas sentadas no chão e quando o homem que estivesse a dançar dissesse o nome duma das presentes, esta saia para a frente e dançava, mas não se chegava ao homem.
Eyotto era considerada a doença do diabo, caracterizada por fortes dores de cabeça. A dança começava ao anoitecer e, embora houvesse homens presentes, estes só tomavam parte as mulheres e o cirurgião. O doente ficava deitado numa tosca cama ou no chão dentro duma palhota; fora ficava muitas mulheres na dança, em que 3 ou 4 homens tocam ekoma e uma mulher de cada vez dançava ao compasso da cantiga das restantes.
Geralmente a mulher a dançar limita-se a avançar e recuar muito pouco, os pés, alternadamente e na altura competente, começavam a tremer ou fazer tremer as nádegas com uma velocidade espantosa; outras vezes, faziam rodar o traseiro, conservando o corpo firme até à cintura. Iam para dentro da palhota onde estava o doente, cinco mulheres com a ekhoma colocada entre o braço esquerdo e corpo, batendo na pele com a mão direita e cantando, fazendo um barulho infernal, como forma de expulsar o demónio.
1.12 A doença e os ritos de cura
Os a-makuwa viviam a doença como uma pausa/alteração do ritmo normal de vida e, antes de mais nada, se perguntava o porquê dessa quebra. A doença era vivida numa atmosfera de marginalidade e à margem, porque colocava o indivíduo fora da vida em sociedade. O processo da doença e seus cuidados era vivido em uma atmosfera simbólica que devia ser ritualizada de formas e em momentos apropriados. Os ritos de cura eram necessários para restaurar o ritmo vital e a harmonia ameaçados pela doença.
A doença não era um problema físico que abrangia somente a parte superficial do homem, mas sim, toda a pessoa em todo o seu ser, sua individualidade e sua relação com os outros. Devido a esta visão, a doença não era vista como algo pessoal, mas algo que afectava toda a sociedade, uma vez que alguns dos relacionamentos que a compunham eram comprometidos pela ausência de um dos seus membros.
Para restabelecer sua saúde, o paciente usava as entidades fundamentais de seu mundo: Deus, os antepassados, sua família, a sociedade. Ia fazer uso dos elementos profanos (alimentação e higiene), dos elementos místicos (ritos, proibições, tradições e receitas) e comunidade (a família e a sociedade). Com o apoio destes, o doente  não ia se sentir sozinho e abandonado no seu sofrimento.
A desgraça, sinónimo de doença para o makuwa, era vista como algo que caia sobre ele impetuosamente, como uma agressão; vinha da floresta, onde tudo é obscuro, do reino dos que praticam o mal, do espaço das trevas. A doença se escondia como os animais selvagens na mata e ficava à espera de alguém para atacar.
A doença tinha sempre uma causa, que devia ser descoberta para poder ser tratada e o procedimento inicial era pesquisar sobre os factores em duas direcções: (i) O doente (alimentação errada, falta de higiene, o não cumprimento das suas funções, violação das leis e regulamentos); e (ii) As outras pessoas (intervenção mística e acções punitivas dos antepassados, acção maligna por parte de um agente maldoso, com poderes extraordinários, inveja, ciúmes e vingança de outros indivíduos).
Por esta razão, todas as doenças eram vistas como o resultado de uma culpa. Era necessário identificar esta culpa para ser capaz de tratar a doença, mas o paciente por si só não era capaz de descobrir esta causa oculta. Era importante que durante todo este processo, o paciente não perdesse a vontade de enfrentar e resolver a situação com calma, como se fosse um teste para superar.
Para as doenças que se originavam de causas conhecidas, não era necessário consultar os especialistas, porque o próprio paciente era capaz de identificar as causas e, no máximo, pedia ajuda ao curandeiro ou mukulukhana. Porem, para além destas, haviam também doenças que se originavam de causas desconhecidas. Neste caso era necessário recorrer ao especialista, ao investigador, o qual colocava o paciente em contacto com o mundo oculto.
Existiam vários especialistas aos quais deviam se consultar no caso de doenças, dependendo do tipo, da origem e da gravidade de uma determinada doença. Os Especialistas eram pessoas com muito conhecimento sobre a natureza, animais e coisas. Além de desfrutar de autoridades, porque a comunidade as consentia, possuíam uma ciência realmente conquistada com um esforço próprio. Geralmente levam uma vida ligeiramente ascética[19]. Os especialistas eram pessoas com diferentes funções, nomeadamente: Nahako, Mukulukhano, Namuku e Mukhwiri.
Nahako, era indivíduo encarregado para descobrir o que está oculto questionando o paciente, com ajuda dos antepassados. Não era pessoa doente que ia até ele, mas seu tio materno ou outras pessoas da família mais próximas, que explicavam os sintomas ao nahako.
Mukhulukano, que recebia o diagnóstico feito pelo Nahako, escolhia o tipo adequado de medicamentos; preparava-os sob a forma de comprimido, xarope ou unguento. Além da medicina, estabelecia certas exigências e proibições que o paciente devia observar. Podia acontecer que a mesma pessoa desempenhava ambas as funções de Nahako e Mukhulukano.
Namuku era a pessoa que oferecia sacrifícios tradicionais de makeya em favor do doente e toda a sequência de rituais necessários indicados pelo Nahako.
Mukhwiri: uma pessoa com poderes sobrenaturais que podia causar males (em Português traduzida como “feiticeiro”, aquele que lança maldições). Este era extremamente temido devido aos poderes extraordinários que possuía e que podia ser usado contra indivíduos e até mesmo contra toda a sociedade. Normalmente, aqueles acusados de serem feiticeiros ou a-khwiri eram pessoas anciãs (especialmente mulheres) que viviam sozinhas, à margem da vida social, mas também podiam ser pessoas comuns. Ser acusado de feitiçaria era muito grave; incorria em represálias para os casos mais leves, multas, prisão e até mesmo em expulsão da comunidade.
O processo de tratamento era composto pela descoberta da causa, uso dos medicamentos indicados, banhos purificadores, as refeições familiares, sacrifícios tradicionais. Os medicamentos, em nenhum caso, podiam ser conservados se não se fizesse uso completo. Em caso de sobra de alguma coisa, essa devia ser conservada. O mesmo especialista não preparava com antecedência nenhum medicamento, mas sim no momento.
2.13 A morte
A morte para os a-makuwa, era uma mudança de estado, que supunha ao mesmo tempo, ruptura e continuidade. O que subsistia do antigo estado ao novo era, fundamentalmente a identidade essencial da pessoa, aos laços familiares (quem morria continuava a pertencer a sua própria família) e sociais(o falecido continuava a ser membro da sociedade a que pertencia).
A vida do além considerava-se, em parte, semelhante à vida visível, existindo uma séria de relações entre os defuntos e os seres vivos. Os defuntos precisavam de comida, pelo que os vivos do mundo visível deviam oferecer-lhes sacrifícios, os mesmos tinham sentimento e reagiam perante os acontecimentos da vida dos homens, eram respeitados e temidos segundo a sua importância social e o seu  procedimento moral.
Para os a-makuwa, uma boa morte era a que chegava conforme o previsto pela tradição, tendo em conta vários factores: (i) Tempo (idade avançada da morte); (ii) descendência (deixando muitos filhos); (iii) lugar (morrer na própria aldeia e na própria casa); e (iv) algumas modalidades (morrer sem grande sofrimento, em presença dos familiares mais chegados, não deixando questões pendentes de solução e sem paz com a família e com a sociedade).
Ao contrário, uma morte má era a que sucedia de improviso (com pouca idade) ou de forma violente (assassínio, homicídio ou acidente). Também era má morte de uma pessoa estéril, porque não deixava descendência, ou dificuldades económicas (dívidas por liquidar).
A morte, na sociedade makuwa, era considerada como a passagem da pessoa a outro estado de vida, qualitativa e existencialmente diferente do que tinha no momento da morte, esta passagem era vivida ritualmente através dos ritos fúnebres. Nestes ritos distinguiam –se três fases normais de qualquer rito de passagem: separação do mundo anterior, período de margem e de agregação definitiva ao novo estado.
Quando já se perdia toda esperança de vida uma pessoa doente, porque se via a aproximar a agonia, colocava-se o corpo do agonizante sobre as pernas do familiar mais íntimo presente que sentado, numa esteira, recebia o corpo do doente. A cabeça deste, ficava apoiada no peito do familiar, que o assistia nestes últimos momentos com esse gesto acolhedor.
Durante agonia, invocavam-se os antepassados, procedia-se a cerimónia da reconciliação e o moribundo manifestava os seus últimos desejos dai afirmar-se que “Se a sua mãe estiver doente, deves estar por perto para que ela te possa dar últimos conselhos que ficarás a seguir[20]”.
Chegado o momento da morte, quando o moribundo expirava, então fechavam-lhe os olhos e colocavam-no deitado na esteira, coberto com um pano. Imediatamente as mulheres presentes gritavam e choravam de dor e os homens presentes não deviam gritar nem chorar, mas sim podiam somente soluçar.
A comunicação da morte de um membro da família devia ser feita imediatamente a todos os familiares que vivessem na mesma região ou não. Aos que viviam longe enviavam-se mensageiros (que deviam ser dois), para que pudessem assistir ao enterro e eles procuravam cumprir essa missão. Se a distância entre as suas casas e a comunidade do morto não ultrapassasse, para ida e volta, um dia de caminho o enterro realizava-se normalmente, na ausência destes (dentro de 24 horas). A triste notícia era também comunicada ao chefe da aldeia e outras pessoas importantes.
Na preparação do morto desde a lavagem, vestida até a sua sepultura, o tio materno mais velho do falecido ou, na falta deste, o que o segue por ordem de importância na família assumia a responsabilidade de organizar a cerimónia para a realização dos ritos fúnebres, distribuindo os encargos entre os familiares e pessoas mais chegados. Um grupo encarregava-se de tratar o cadáver com várias abluções e unções e de envolvê-lo num pano grande e numa esteira. Um segundo grupo, preparava a cova denominada mahiye, no lugar indicado pelo familiar. O terceiro grupo (constituído na sua maioria por mulheres), preparavam a comida para todos os que participariam no funeral e a água para abluções.
A sepultura do cadáver fazia-se normalmente, num cemitério escolhido pelo tio materno mais velho do defunto, afastados dos caminhos entre as árvores do bosque (Onde estivessem enterrados os membros da mesma família ou mesmo Nihimo. Quando se tratasse do chefe da aldeia ou do régulo, costumava escolher-se um lugar especial perto da sua casa. A profundidade do mahiye ou cova, dependia da idade do falecido, e a forma dependia do gosto dos familiares.
Para o funeral era muito raro que o corpo passasse 24 horas desde a morte até a sepultura. O cadáver devidamente preparado com abluções e unções, feitas pelos familiares mais próximo e outros anciãos da comunidade, era envolvido em panos e colocado no chão, encima da esteira que o defunto usava em vida para dormir. Junto do cadáver sentado no chão, vestidas de roupa velha, sem adornos e despenteados, faziam vela as mulheres da família e os amigos.
Os homens, familiares do defunto reuniam-se noutro lugar à parte, sempre perto do lugar onde jazia o cadáver, geralmente no pátio da casa, enquanto esperavam que o tempo passasse, compartilhavam a dor e tristeza pela morte do familiar e amigos e entoavam cânticos em forma salmodica em perguntas e comentários dirigidos ao defunto sobre a sua vida. Neste momento entrava em acção o especialista em diminuir a tensão psicológica do rito, este ridicularizava a vida do defunto e a de outros falecidos, e inclusivamente, a vida de algumas pessoas vivas relacionados com o defunto.
Os familiares do defunto e os habitantes da comunidade deixavam os seus trabalhos e ocupações habituais para poderem participar no velório e dos outros ritos fúnebres, nos quais eram excluídas destes ritos pessoas não iniciadas. Os familiares mais chegados cortavam o cabelo, rapavam mesmo a cabeça vestiam-se com roupas velhas, como sinal de luto.
Para o enterro, quando os encarregados de abrir a sepultura acabavam o trabalho, avisavam os familiares que ficavam em casa a velar o morto. Então, o chefe da família ou o familiar mais íntimo do defunto enviava dois homens, escolhidos entre os familiares, para verificar o estado da sepultura e o cumprimento dos costumes tradicionais. Estes emissários comunicavam em que parte da cova se devia fazer o nicho secundário, ou ao lado no interior da cova ou no centro da mesma, no qual se depositava o cadáver.
Ao regressar no lugar do velório os enviados ao cemitério, organizava-se o cortejo fúnebre. Os homens iam à frente levando o cadáver envolvido numa esteira atrás a uma certa distância, seguiam as mulheres. Todos os participantes no cortejo fúnebre acompanhavam o cadáver até ao cemitério, conservando profundo silêncio durante o caminho.
Chegado ao cemitério eram feitas todas cerimónias de enterro, acompanhado de alguns objectos do seu uso pessoal para indicar que abandonou definitivamente esta vida. O nicho onde se depunha o cadáver, no interior da cova, era tapado com paus e folhas, ficando o cadáver isolado do contacto directo com a terra que se deitava para tapar a cova. No final, nada devia ficar em volta da sepultura, devia ficar limpo pois no dia seguinte, de madrugada seriam enviados emissários para controlar o estado da sepultura e ver se alguém se teria aproximado, animal ou pessoa, para a danificar. Finalmente, todos os presentes iriam procurar água num rio local para tomar banho e se lavarem das impurezas.
1.14 Cenários actuais
Hoje, entre os a-makuwa da Makuwana, notam-se mudanças sociais, políticas e económicas que parecem ter conferido um carácter a estrutura social. Muitos dos traços culturais locais, sofreram muitas interferências e muitos dos seus contornos sofreram mudanças. Tais mudanças, são mais acentuadas na área da cidade, pois desde a colonização até aos nossos dias, tem sido palco de cruzamento de gentes e culturas. Os novos elementos da cultura, contribuíram mais para a fragilização da instituição linhagem, marginalizada a favor das novas estruturas administrativas que foram criadas.
O parentesco passou a cumprir uma função de absorção e readaptação, recriando novas formas de composição familiar nas quais predominam as famílias nucleares no sentido do desenvolvimento de um habitat monofamiliar. A figura de tio materno, por exemplo, como guardião dos membros da linhagem, distribuidor das terras deixa de ter sentido. Assinalam-se como principais razões: a colonização, a acção missionária, a política de assimilação do estado colonial, a independência do País e a economia monetária.
No que diz respeito ao casamento e `a sua evolução, os dados em forma de periodização, ilustram as diferentes transformações operadas no sistema matrimonial. A reprodução dos grupos domésticos na Makuwana, era garantida pela progenitura das mulheres das unidades familiares e as células reprodutivas agrícolas constituíam os polos em direcção aos quais os homens se deslocavam. O casamento rapto foi, durante séculos, uma prática corrente de incorporação de energia e reprodutores para as unidades agrícolas matrilineares.
A crescente integração das unidades domésticas e das linhagens no sistema de trocas internacionais (a partir de 1860 e até 1910) teve um impacto sobre a organização linhageira matrilinear e sobre a residência uxorilocal da unidade conjugal dos povos da Makuwana. O impacto manifestou-se sobretudo no controlo cada vez mais rígido dos circuitos matrimoniais, das alianças entre linhagens, da integração dos jovens maridos na célula produtiva da esposa, os rapazes passaram a prestar serviços regulares nos campos das futuras sogras.
Para o período entre 1910 a 1930, os principais aspectos a divisão do território da Makuwana em unidades políticas submetidas ao aparelho militar e administrativo local, que veio reforçar o sistema social linhageiro. O controlo das áreas de cultivo da linhagem acentuou-se, aumentou o controlo dos dependentes por parte dos decanos das linhagens. Aos noivos era solicitada uma maior prestação dos serviços pré-nupciais. O grupo sororal[21] saiu mais reforçado, intensificaram-se as contradições e conflitos entre maridos e o grupo sogra/irmão da esposa, e entre os tios e sobrinhos. A instabilidade no casamento acentuou-se por iniciativa da mulher e do seu grupo uterino.
A partir de 1930, com o surgimento de culturas obrigatórias, impõem-se áreas precisas de cultivo para os homens, mulheres e jovens solteiros no quadro do núcleo conjugal - foi mesmo regulamentada a produção dos “lares” dispersos do polígamo - favoreceu o desenvolvimento da instituição familiar nuclear como unidade de produção, consumo e depositária de bens próprios, o que estava em conflito com a estrutura do poder no seio da linhagem. Aos rapazes solteiros exigiu-se ao cultivo das mesmas na área de algodão que aos homens casados, aconselhando-se a que procurassem esposas para os ajudarem, tal provocou o abaixamento da idade do casamento, tanto de rapazes como de raparigas.
Para resolver, em parte pelo menos, os problemas surgidos no processo de exploração do campesinato foi decidida (pelos colonos nos anos 1940), a recuperação das estruturas politicas supra-linhageiras, chefes tradicionais vs régulos, para promover o enquadramento das unidades familiares de produção no seio das linhagens e destas no regulado.
As grandes transformações no tocante ao casamento, surgiram a partir de 1960, com o desenvolvimento da cultura familiar do cajueiro e da comercialização da castanha. As transformações económicas e sociais tiveram uma grande influência na organização linhageira e familiar da Makuwana. Nas zonas onde o cajueiro se tornou uma cultura de rendimento de grande valor, a propriedade e a herança das árvores passaram a ter importância sócio-económica favorável.
A propriedade dos cajueiros circulava entre os homens através do desenvolvimento de formas de residência virilocal[22] e do casamento sororal. As parcelas onde estavam implantados cajueiros passaram a ser controladas pelos proprietários das árvores, o que deu uma nova posição ao homem adulto no seio das unidades domésticas e das linhagens das esposas. A família conjugal passou a ser mais individualizada. A própria residência começou a afastar-se do quintal da sogra e manifesta-se a tendência para a tal virilocalidade.
O desenvolvimento do plantio do cajueiro e da comercialização da castanha de caju, a partir da década de 1960, fez sentir o seu impacto na estrutura linhageira. As árvores de cajueiro que pertenciam aos homens que plantavam, segundo regras costumeiras, sendo herdadas pelos filhos varões (em lugar de sobrinho), representaram uma distorção `a regra tradicional de transmissão de bens dos tios aos sobrinhos (com destaque aos filhos varões das irmãs).
A terra continuava a ser património da linhagem, mas o proprietário dos cajueiros passava não só a ter acesso prioritário a tal Nthala ou parcela, mas também a cedê-la por empréstimo, sendo ainda reconhecida a possibilidade dos possuidores as poderem vender.
O modelo económico colectivista do campo, assumido no período posterior a independência de Moçambique (1975 a 1980), acelerou o processo de desagregação alargada em famílias nucleares. Surge a construção de aldeias comunais, habitat mais concentrado, o que influenciou diversos parâmetros da organização sócio-económica camponesa da Makuwana.
A nova organização comunal atribuía os talhões ao chefe do agregado familiar nuclear, a separação das diferentes mulheres das famílias poligâmicas pelos diferentes bairros da aldeia, a separação dos filhos casados dos seus ascendentes pela atribuição do talhão em zonas afastadas dos talhões dos pais. Esta subdivisão dos agregados familiares alargados, levou (em alguns casos) ao aparecimento na aldeia de unidades residenciais isoladas do ponto de vista familiar e social, incapazes de produzir integralmente as suas subsistências.
Por outro, assistiu-se uma luta entre as diferentes forças sociais, umas no sentido de preservar os interesses que lhes eram garantidos pela tradição, e outras tentando alargar os novos direitos alcançados pelo novo modelo social e económico. Entre os que defendiam o novo modelo estavam os homens mais jovens, nomeadamente os homens casados que vêm alargar-se ao seu estatuto social, e as mulheres dos polígamos, que vêm criado um espaço de autonomia face ao marido e as esposas mais velhas deste, mas também as mulheres em geral, assumindo muitas vezes o papel de chefe da família nuclear.
O novo habitat concentrado pretendia destruir a base de união, constituída pelos grupos residenciais, as linhagens, os grupos de produção, os grupos de idade, entre outros, substituindo-os pela comunidade de residência, de produção, distribuição e reprodução colectiva.


[1]Monte Namuli, fica situado na Província da Zambézia, Distrito de Gurue, localidade de Mucunha há 30 km da sede do Distrito. Namuli, é dado como epicentro do princípio da vida humana assim como espiritual dos a-makuwa. É conhecido, literalmente, como local onde repousam eternamente os espíritos dos ancestrais (Makholo). Dos povos saídos das covas dos montes Namuli, teriam vivido de princípio num grande planalto do monte. Com o aumento do número de famílias, houve luta entre eles e então, deu-se o êxodo do monte sagrado tendo em seguida os povos se dispersado. Parte deles emigrou para a zona de Nampula, através do canal do rio Malema (onde surgiram os a-makuwa do interior) e outros pelo canal do Licungo foi para alta Zambézia (fez surgir os a-makuwa lomwe).
[2]  António Rita Ferreira no trabalho sobre fixação portuguesa e história pré-colonial de Moçambique, 1982
[3]  Matrilinear, significa que para tudo o que são direitos, deveres e herança, segue-se a linha da família da mãe.
[4]Erukulu faz referência ao ventre
[5] Na sociedade makuwa, para qualquer individuo as mulheres de sua geração são suas irmãs, as da geração seguinte e anterior a sua são suas mães e assim alternadamente. Por isso, o individuo tem uma multidão de mães ou irmãs grandes e pequenas.
[6]Nloko é o termo que os etnólogos adoptaram para designar a matrilinhagem. Pode ser designado como Povo, tribo ou nação. Conjunto de pessoas que formam uma nação.
[7]Depois de a rapariga reportar aos pais sobre a sua primeira menstruação é submetida a um interrogatório para se descobrir se se trata de uma menstruação normal ou perda da virgindade.
[8] Coetâneas referem-se a indivíduos da mesma idade
[9] Outras formas de proporcionar prazer, consistiam em escarificações denominadas Ihuku nas costas, barriga e partes internas das coxas da mulher que completava-se com o uso de cinto de missangas de grande importância erótica
[10] Nome a que se denomina a mulher na fase de menstruação
[11] Em algumas situações se os conselhos forem dados por homens podem reduzir as possibilidades deste reagir criticamente perante o modelo de mulher que se apresentarem.
[12] Esta era preferencialmente uma neta mais velha.
[13] Deus era considerado bom de mais e incapaz de fazer o mal aos homens.
[14] Num mesmo lar, a terra pertence a mulher e não ao homem nos primeiros dias de casamento e só com o tempo (depois do primeiro filho), este pode levar a sua esposa e viver nas terras da sua família.
[15] Havia crença de que se não fizesse queimada a machamba não teria muita produção.
[16] Não era permitida qualquer tentativa de impedimento de acesso a água, sobre tudo durante a estação seca.
[17]Opwaroo, significa alpendre que era o local ou autoridade de resolução de conflitos.
[18] 5 Ehala é o varano ou iguano.
[19] Vida ascética consiste no esforço metódico e continuado, com a ajuda da graça, para favorecer o pleno desenvolvimento da vida espiritual, aplicando meios e superando obstáculos. Aqui actuam e organizam-se os grandes meios e práticas da vida espiritual: oração, penitência, retiro, exame de consciência, direcção espiritual, sacramentos.
[20] Trecho da canção popular makuwa do músico e professor Warila

[21] Sororato, Sistema primitivo pelo qual o homem pode tomar para si a irmã mais nova para substituir a esposa falecida. Em algumas tribos primitivas a cunhada participa intensamente da vida conjugal do casal.

[22] Virilocal, inerente a virilocalidade, norma ou costume institucionalizado de o casal, após o casamento, viver na localidade (casa, aldeia, acampamento, etc.) do homem e não da mulher.


Bibliografia

  • CASAS, Maria Isabel etall. Perfil do Género na Província de Nampula – Relatório final. Embaixada do Reino dos Países Baixos. Nampula. 1998.
  • GASPARI, Timi. O povo Macua. Disponível em: mz.ilteatrofabene.it/il-territorio/i-macua/. Acesso: 29/05/2017.
  • IVALA, Adelino Zacarias. História das Transformações Sócio-políticas no Alto Lúrio; o Caso do Regulado de Umpuhua, c. 1850-1933: contribuição para a pesquisa da história local. Trabalho de diploma para Licenciatura em Ensino de História. Supervisor: dr. Eduardo Medeiros. Instituto Superior Pedagógico. Maputo. 1993.
  • MUNGOI, Cláudio I. et all. Diagnóstico analítico do Distrito de Nampula. Segundo Draft. Centro de Desenvolvimento Sustentável para as Zonas Urbanas. Nampula. 1998.
  • PIMENTEL, Francisco A. Lobo. Relatório Sobre os Usos e Costumes no Posto Administrativo de Chinga (Distrito de Moçambique, 1927): Manuscrito existente no Arquivo Histórico de Moçambique. Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. Actualização de fixação do texto: ex- Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999. Lisboa. 2009.

Comentários

Antonio Pedro disse…
Espero poder contribuir com algo desta natureza

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